sábado, 28 de fevereiro de 2015

O caminho das terapias


Como planejado voltei ao CRIAM (Centro de Reabilitação Amigos do Marinho) para avaliação e atendimento do Leonardo em janeiro de 2014. Fizemos mais uma anamnese. Mais uma. Mas desta vez o Alê estava presente, e ele me ajudou a lembrar de outras informações que eu não havia mencionado em anamneses anteriores. Três especialistas participaram: a fonoaudióloga, a fisioterapeuta, e a terapeuta ocupacional. Três jovens que, desde o primeiro momento, atuaram com o devido profissionalismo, logo transmitindo confiança no trabalho desenvolvido por elas. Depois da anamnese elas avaliaram o Léo. Tivemos que esperar alguns dias para a devolutiva, conduzida pela psicóloga.

Quando procuramos o CRIAM nosso objetivo encontrar um lugar onde ele pudesse fazer a terapia ocupacional em grupo. Ela nos disse que não conseguiram montar um grupo para o Leonardo, pois as outras crianças tinham necessidades diferentes da dele, e que aquilo não seria o ideal, que pouco ajudaria o seu desenvolvimento. No lugar aconselharam que ele fizesse sessões de Psicoterapia, com o olhar da psicomotricidade.

Quando voltamos à neuropediatra, ela falou novamente da importância de um olhar multidisciplinar para o Léo. Sim, ele já estava na fono, e em breve começaria a psicoterapia, mas ela insistiu na importância da Terapia Ocupacional, de preferência em grupo. Solicitou também um Eletroencefalograma, mas ele não mostrou nenhuma anormalidade. Voltaríamos para próxima consulta em dois meses, e de preferência com o Léo fazendo TO. Ela sabia que não poderia nos obrigar, então fez de tudo para nos convencer. Não que eu precisasse de convencimento, mas sua eloquência facilitou o peso de uma possível culpa por colocar o Léo em mais uma terapia. Ele só tem dois anos.

Fui procurar a pediatra do SUS, contei todo essa trajetória de exames e suspeitas. Ela prontamente me deu uma guia encaminhando o Léo para Terapia Ocupacional infantil em grupo. Também deu uma guia para que passássemos com um médico Geneticista.
A terapia ocupacional era realizada no Ambulatório de especialidades do Peri-Peri, região do Butantã. Não havia esse tipo de terapia no meu convênio e, como já escrevi em outro texto, os lugares particulares tinham preços  absurdos por sessão.

Mais anamneses. Desta vez mais duas. Uma com uma fono e outra com a TO. Já estava ficando craque nisso, mesmo assim sempre em algum momento as lágrimas caiam. Muitas perguntas difíceis, muitas memórias belas às vezes manchadas por detalhes antes irrisórios, mas que naquela situação ganhavam uma proporção muito maior. Essa história de anamnese precisa ser repensada pelos teóricos. Entendo que é importante, que sem informações relevantes é impossível trabalhar, mas o processo é um massacre para a mãe, especialmente quando feito repetidas vezes.

A terapia em grupo no AE do Peri Peri  era realizada com um grupo de  5 crianças, com síndromes diversas. Algumas crianças estavam na terapia desde bebês. Crianças maravilhosas, alegres e cheias de vida. Acolheram super bem o Leonardo, pois agora ele era o bebê do grupo.
A sessão era da seguinte forma: entravam todos na sala da fono e ficavam lá por aproximadamente 25 minutos; depois ela os acompanhava para a sala da Terapia Ocupacional, onde permaneceriam por mais 30 minutos.

A sala de Terapia Ocupacional era uma alegria só. Dava para ouvir da sala de espera. A voz da TO, da Fono, ambas incentivando cada conquista deles. Apenas uma criança falava, mas os sorrisos e a expressão do olhar de cada criança quando saiam da sala da TO diziam muito mais que qualquer palavra poderia traduzir. Era lindo de se ver.

A Terapeuta Ocupacional ficou sabendo da consulta com o Geneticista, e como ele atendia naquele mesmo ambulatório, ela disse que iria levar todo o prontuário do Leonardo para ele ver antes da consulta. Disse também que, se pudesse, me acompanharia na consulta, onde poderia contribuir contando a respeito do estímulo que era realizado durante as sessões do Léo com o grupo.
Como o Léo já havia feito o exame de Cariótipo, que estava normal, o Geneticista disse que ele deveria continuar com a terapia e a estimulação em grupo. Disse também que provavelmente tudo aquilo tinha alguma origem ambiental, e que com a estimulação e o tempo ele ficaria bem. Recomendou algumas atividades para a TO, que conseguiu acompanhar a consulta, e que o Léo continuasse com o acompanhamento neuropediátrico.

E o ano de 2014 começou assim. Muitas terapias, muita interação, muita preocupação, muita estimulação, muitas descobertas e muito amor.

Todas essas etapas eu dividi com amigos e familiares. Tive que abrir o jogo com amigos que convivem com o Léo, pois estava evidente que ele não interagia como as outras crianças, ignorava os chamados e as tentativas de brincadeiras dos adultos. Também contei para os amigos que não convivem com o Léo, mas são amigos que tenho como família, principalmente alguns com quem trabalho. E claro, com minha família, que dividimos esse amor incondicional com o Léo.

Encontrar e iniciar todas essas terapias foi um alívio. O Leonardo começou a interagir, brincar um pouco mais. Durante este ano, aprendeu muitas coisas. E essa evolução foi dando uma esperança de que talvez realmente fosse só coisa do tempo dele, que de uma hora para outra ele iria falar e se tornar um tagarela. Ouvi muita gente dizer isso, sempre com a melhor das intenções. Mas alguns autistas não falam e essa é uma característica que também deve ser respeitada. Não falar não significa que  não entendam ou que não saibam se comunicar. O autista já tem dificuldade de interação social. Se ele não fala as pessoas enxergam o problema como algo ainda maior, pois se sentem em cheque, uma vez que agora também  precisam conseguir criar uma ponte para se comunicar com ele. É isso que fazemos hoje, criamos nossa ponte. E é apenas isso que precisa ser feito. 

A terapia que eu mais senti resultado foi a TO. Mas também era onde eu ouvia ele chorar mais. Ele precisava seguir comandos, fazer coisas que exigiam atenção e interação, mas tudo o que ele queria fazer era o que lhe dava na telha. A TO sempre me explicava no fim da terapia os motivos de alguns choros “O Léo quer subir na mesa, ou num equipamento que o coloca em risco de queda, quando falo não pode ele desatina a chorar.”

Numa destas conversas de fim de terapia, o Léo ficou de mãos dadas comigo ouvindo a TO falar, sem me puxar, sem sair correndo sem direção. Ficou ali, parado de mãos dadas comigo e esperando. Essa foi a primeira vitória. Eu nunca havia conseguido ter alguns minutos de conversa com alguém com o Léo ao meu lado, me esperando daquele jeito, tão tranquilo. Desde então nós conseguimos sair com o Léo para supermercados, encarar filas, tarefas tediosas mas necessárias, pois agora ele não tinha mais tanta necessidade de correr e explorar o mundo inconsequentemente. Ainda é curioso e agitado, mas de maneira mais controlada. E o mais importante: ele começou a se importar mais com a nossa presença. Sempre que ele corre um pouco mais na nossa frente ele para e olha para trás, observando se nós (pais ou avós) estamos por perto. Isso foi um alívio, porque antes ele simplesmente “fugia”, sem se importar se estivéssemos por perto para salvá-lo de algum apuro ou não. E sempre estávamos por perto, claro.

A psicoterapia também o acalmava, e isso também ajudou muito. No CRIAM tem uma atividade chamada ‘ciranda’, onde os pais realizam atividades junto com os filhos em um grande grupo. Eu adorei essa proposta. Sentar com seu filho numa roda, cantar músicas que envolvem de forma lúdica a estimulação, coisas que depois os pais poderiam fazer em casa com a família e a criança. Tudo muito legal. Mas quem disse que o Léo consegue se sentar em uma roda? Quem disse que o Léo quer olhar os outros, imitar ou interagir?  Eu ia às cirandas, pois acho maravilhoso os pais, as mães e avós brincando com seus anjos. É uma coisa linda de vivenciar. Mas eu não poderia forçar o Léo a ficar. Em determinado momento parecia que ele dizia “Já chega, deu! Tô fora desta! Vou correr e ser livre, com vento na minha cara, sem ninguém olhando para mim!”. E literalmente era isso o que ele fazia. Mas quando ele via ou ouvia a Psicóloga chamar, a corrida era em direção a ela. O vínculo que ele fez com ela foi sensacional, se entendiam só pelo olhar.

Já a fonoaudiologia não foi tão frutífera. Acredito que foi por falta de vínculo. Em todas as outras terapias ele ficava bastante tempo nas sessões, mas com a fono ele sempre quis ir embora antes do tempo. Apenas uma vez conseguiu ficar 15 minutos antes de chorar para ir embora. A sala de espera era um cubículo. Para ele era uma tortura ter que esperar lá. Depois de mais de um ano, ela mudou de consultório, sala de espera ampla e com brinquedos, mas já era tarde. E nessa situação é fácil encontrar outros motivos. Tivemos que começar uma nova busca por fonoaudiologia. Mas isso vou contar em outra oportunidade.

Todas essas terapias, todos esses olhares terapêuticos, ajudaram muito. E embora essas terapias tenham feito parte do processo para o diagnóstico, não acho que tenha levado o Léo a todas elas apenas para que fosse avaliado, mas também para fosse compreendido. Por mim inclusive. Sou grata e tenho um carinho imenso por cada especialista que atendeu meu filho em 2014. Elas me ajudaram a enxergar a ponte necessária para a comunicação entre nós. Sempre trataram o Léo como o que ele é: uma criança. Sempre evitaram rótulos ou deram a entender que o Léo fosse isso ou aquilo. Para elas o Leonardo é o Leonardo, o Dudu é o Dudu, a Olivia é a Olivia, a Dani é a Dani, cada uma delas especial à sua maneira, como toda criança tem que ser.

Escrevo estes textos contando minha história pois, mesmo já  tendo compartilhado com meus amigos, ainda assim me encontrava muito sozinha. Nunca encontrava outra mãe que tivesse vivenciado o que eu estava passando, para poder me dizer o que ela já havia passado, que tudo isso é normal. Mas, mesmo sendo normal, não era algo habitual. Nada nem ninguém te prepara para a realidade de ter um filho especial. Nós não sabemos até vivermos na carne.

 O que eu quero dizer é que estes textos não são desabafos. Para isso tenho minha terapeuta, tenho minha mãe, meu companheiro, meus amigos. Estes textos são para mostrar a realidade de outra maternidade, uma a que não estamos preparados. São para mostrar que existem caminhos diferentes, por vezes difíceis, mas hoje eu sei que não estou sozinha nesta jornada.  Existem outras, existirão outras. Uma maternidade assim pode acontecer com qualquer um. Espero que estes textos encontrem leitores que possam criar a empatia por essa outra forma de viver a maternidade, e que isso auxilie no combate a alguns preconceitos. Espero encontrar leitores que, como eu, pensavam estar sozinhos, e que eles percebam que na verdade somos muitos.


Mesmo que alguns de nós ainda não tenhamos encontrado nossas vozes. 

2 comentários:

  1. Estou literalmente devorando seu blog. Quanta simplicidade em descrever algo tão confuso e doloroso a nos mães de crianças especiais... E muito obrigada por compartilhar um sentimento que tbm me preenche... A solidão de sentir sozinha e muitas vezes incompreendida.

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    1. Espero que os textos nos ajude acalmar nossas angustias, pois são muitos os sentimentos que não encontramos por aí, mas que nós carregamos.
      abraço,

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