sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Inclusão: Ninguém vai ficar para trás




Quero e preciso dividir uma das alegrias de 2019 e da Educação Inclusiva.

Depois de todas as desilusões do ano passado, com a EMEF que procuramos para matricular o Léo,  onde há um projeto Político Pedagógico que vislumbra a inclusão, mas que, na nossa experiência a teoria esteve bem longe da prática pedagógica em relação a educação inclusiva, como expus no texto Inclusão X Se vira aí!. Demos uma segunda chance a educação inclusiva em outra EMEF e este ano tem sido de muitas realizações para o Léo.

Claro que nada veio sem lutas.  No entanto, nesta escola encontramos um time de professoras, coordenação e profissionais que jogam junto. Mesmo com todas as dificuldades da educação pública seguimos no objetivo comum de desenvolver as potencialidades do Leonardo, desafiando-o e nos desafiando. Ele aprende e nos ensina. Ensinamos e aprendemos.

Como sabem o Léo não fala, então fica difícil saber como foi seu dia na escola, não sabemos o que ele fez, se esteve feliz, se algo o aborreceu, enfim, esse é um problema de muitos pais que tem seus filhos não verbais ou sem uma comunicação que possa dar conta do diálogo interativo.

 Para amenizar essa dificuldade, tenho mantido um contato quase que diário via um Caderno de Comunicação entre professora e nossa família, que vai muito além dos recados internos e agendas da escola.

 Desta forma consigo, saber algumas coisas sobre o Léo. Mas são muitos os professores, muitas as relações do cotidiano escolar e é impossível a gente saber de tudo. Mesmo para as crianças  típicas, muitas vezes os pais são pegos de surpresa quando as professoras contam novidades sobre seus filhos apenas no dia da reunião de pais.

Num dia destes, ao chegar em casa, fui ver o Caderno de Comunicação e tive uma destas surpresas. Tinha um recado da professora e uma autorização para que o Léo pudesse sair com a escola para um evento na DRE Butantã, representando a escola, pois seu trabalho havia sido selecionado.

Eu não vi o trabalho que realizou, por pura curiosidade liguei na escola para saber mais detalhes. Foi uma atividade realizada nas aulas de Informática e Leitura. O Léo realizou a mesma proposta dos colegas, mas com o apoio e incentivo da estagiária da sala e claro junto aos professores.

Na maior parte do ano o Léo esteve sem acompanhante pedagógico, apenas a professora na sala de aula e todas as crianças. A professora sempre fez o que estava ao seu alcance para o Leonardo, mas sem sombras de dúvidas, após a chegada da estagiária para o auxílio da sala e do acompanhamento pedagógico do Léo tudo tem melhorado.

Isso nos mostra o quanto esse meio assistivo é necessário para o desenvolvimento dele, pois se queremos falar em equidade, em oportunidades na educação inclusiva e desenho universal  não podemos deixar de dar e criar os suportes ADEQUADOS para esses estudantes.

O Léo está na escola pública desde a EMEI, mas nunca autorizei a saída dele sozinho com a escola, nem aquelas voltas nos quarteirões ou praças próximas, pois ele tinha um costume de sair correndo em direção de algo do interesse dele, mesmo que isso estivesse do outro lado de uma avenida movimentada. Nas excursões que houveram, eu fui junto com a escola e sempre as professoras agradeceram no final, pois  o Léo se desgarrava do grupo escolar e para leva-lo de volta desencadeava crises disruptivas, que eu já sabia antecipar para não acontecer. Mas eventualmente uma ou outra aconteceu.

Acontece que desta vez a autorização não caberia a minha ida, tinha agendado trabalho com meus alunos no dia seguinte onde leciono. Então, respirei fundo e autorizei a ida dele. Na conversa com a coordenadora por telefone foi me dito que a estagiária iria junto, o que tranquilizou, pois ela é muito competente e já estabeleceu um vínculo muito bom com o Leonardo.

Mas como falar para o Léo que iria acontecer? Como amenizar essa quebra de Rotina escolar para que entenda e aproveite a oportunidade e a experiência deste evento acadêmico fora do ambiente escolar?

Mais uma questão importante  surgiu. O lugar para onde iria era o auditório do CEU, que fica bem próximo da minha casa. E que nós eventualmente levamos o Léo de fim de semana para caminhar e brincar neste CEU. Como é perto, vamos a pé. E tenho certeza que o Léo sabe sair de lá e vir para casa. Mas existe uma avenida muito movimentada de carros e ônibus neste caminho. Então, dei as recomendações para a coordenadora e estagiária que não desgrudassem do Léo, não deixassem  ficar correndo pelo espaço, pois se eu o conheço bem, se o evento não gerasse interesse nele, daria uma disfarçada e cairia fora, indo pra casa, ou ainda tentaria ir para pista de skate ou piscina.

Recado dado. Mas a missão não estava cumprida. As 22 horas da mesma noite que recebi o recado,  estava na frente do computador criando pistas visuais para a rotina do dia seguinte. Afinal, todos os dias quando chega a escola ele usa um apoio visual das aulas que terá no dia, o que tem que fazer, como pegar a mochila, abrir e pegar o caderno, estojo etc...

Então resolvi fazer a Rotina tentando criar uma previsibilidade do que aconteceria e principalmente que ele deveria ficar no auditório e não era para ir para a pista de skate, nem para a  piscina do CEU. Enfim, teria que entender que estava lá para uma atividade específica com o grupo da escola e não ficar andando pelo CEU nos seus lugares preferidos.

Que ficou assim... (vídeo)



Para as mães e pais de familiares de crianças com TEA sempre sugiro o investimento na compra da máquina emplastificadora e um rolo de velcro que pode ser comprado em bazares de bairro, às vezes nestas lojas grandes de 1,99 (que mais nada custa 1,99) papelarias ou ainda naquela passada semestral da Rua 25 de março. 

Mesmo para crianças verbais com TEA, as pistas visuais para criar previsibilidade nas mudanças de rotina, geram mais segurança para elas, diminuindo o impacto das alterações e fazendo com que possam desfrutar melhor do evento novo. 

Quero lembrar que tudo o que fiz aqui tenho orientações de uma equipe terapêutica, embora muitas coisas eu faça sozinha, tenho sempre uma supervisão profissional em ABA que me auxila. 

Após o evento  foi relatado por professores que o acompanharam e pela estagiária, que o Léo entendeu muito bem a Rotina com as pistas visuais, quis sair poucas vezes do auditório e uma delas foi para ir ao banheiro que  já sabia onde era, pois já usou das outras vezes que fomos lá.

Permaneceu sentado no auditório, mas  também caminhou, subiu no palco, pegou o microfone e me parece que  ao ser solicitado para dar “oi” a plateia  respondeu “oi”. Algumas pessoas da DRE Butantã  que estavam presente no evento  o reconheceu, afinal são nossas parceiras de lutas pela a inclusão escolar desde a EMEI.  Assistiu as animações, se empolgou com algumas. Enfim, foi o Léo sendo o Léo.

Houve muito respeito por ele estar lá.

Alguns dias depois, uma professora de outra EMEF, que é minha amiga, relatou que viu o Léo  no anime DRE e elogiou a escola dele, pois foi a única que ao selecionar os participantes para esse evento, levou um estudante público alvo da educação inclusiva.

 Isso é um elogio para escola, mas um alerta para as outras. Aproximadamente 10 EMEFs estavam lá no auditório com grupos de estudantes. Será que teremos que criar cotas? Acho que não é preciso chegar a esse ponto se trabalharmos com  as crianças público alvo da educação inclusiva os projetos que são realizados pelos professores respeitando o desenho universal , criando e adaptando as situações e ambientes para isso, isso é contrapor as barreiras atitudinais existentes nas escolas.

De qualquer forma, aqui escreve uma mãe muito feliz e surpresa por todos esses acontecimentos. Desejo que mais coisas assim aconteçam para meu menino. E claro para outras crianças também. Que as portas se abram cada vez mais para essa inclusão. 
Segue agora o vídeo que tem um dos personagens que o Léo criou nas aulas.  Será que vocês adivinham qual personagem?




E parabéns meu menino por ter feito um lindo trabalho!

 Parabéns aos professores de Leitura e Informática  e a Estagiária da turma do 2º. E pelo trabalho inclusivo e pela coragem de levar um aluno público alvo da educação inclusiva que não para quieto num evento deste porte!

Parabéns e nosso muito obrigada!


segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Inclusão, pode dar certo!



As coisas podem dar certo!

Depois da história cruel que vivemos no ano de 2018 em relação a Inclusão Escolar, que relato no texto https://observatoriolivre.blogspot.com/2019/11/inclusao-escolar-x-se-vira-ai.html, chegou a hora de contar as aventuras de uma inclusão que pode dar certo.

Este ano colecionamos histórias boas, de aprendizado por todos os lados que envolvem as pessoas neste processo.

Quando a gente propõe ensinar abra-se  um canal para aprender.

Inclusão precisa de parcerias para dar certo.

Reclamar ou dizer "não estudei sobre isso na faculdade", não resolve.
Sejamos as pioneiras e os pioneiros da educação inclusiva.

Assim poderemos ensinar aquilo que aprendemos a construir.
esse vídeo é totalmente caseiro e sem edição pois nossa realidade porque a realidade é sem edição.




terça-feira, 26 de novembro de 2019

Inclusão Escolar X Se vira aí!





O tempo vai passando, e tenho muitas coisas boas acontecendo este ano com meu filho.

Já tenho textos prontos para narrar o que anda acontecendo. Narrar como coisas pequenas se transformam em grandes, e como faz diferença não desistir da inclusão escolar.

Mas toda vez que vou escrever o que aconteceu mais recentemente, fica uma peça faltando deste quebra cabeça que se transformou nossa vida e o mundo da inclusão escolar.

Não é a primeira vez que sento para escrever o que aconteceu no ano passado. Mas a mágoa havia tomado conta de meus sentimentos e os textos não saíam.

Embora não tenha como aliviar toda a dor que passamos, posso apenas dizer que superamos, mas não esqueceremos.

Desde o diagnóstico do Léo sempre fiquei preocupada com o ensino fundamental. Anotei os nomes de algumas escolas que pesquisei no Google e encontrei escolas parceiras da Inclusão.

Na época, anotei num post-it o nome de uma escola pública que por sorte é no bairro onde moramos. Deixei anotado no meu mural, para lembrar quando chegasse o momento da passagem para o ensino fundamental.

Quem está na rede pública municipal de São Paulo sabe que não são os pais que escolhem a escola para onde seus filhos irão durante a transição do ensino infantil para o fundamental. Há um sistema que faz essa escolha.  E esse sistema não colocou meu filho na escola parceira da inclusão que eu havia pesquisado.

Queríamos aquela escola, pois passamos a frequentá-la, já que seu Projeto Político Pedagógico (PPP) permite a participação da comunidade em seu entorno. Tive então que pedir a transferência dele para lá.

Conseguimos. Não foi fácil, mas foi um alivio para nós pais, pois lá já tínhamos amigos com filhos, especiais e típicos, que já estudavam na escola. Sabíamos dos desafios de colocar nosso filho numa escola com um processo pedagógico alternativo aos modelos tradicionais, mas quando lemos o PPP da escola nos identificamos.

A escola em questão mantem literalmente os portões abertos, e comecei a participar como voluntária no projeto de horta. Cheguei a plantar nesta escola um pé de Cambuci que ganhei de um morador de da Vila de Paranapiacaba. Plantei junto com outros pais de crianças e ainda brinquei: “Daqui há nove anos será uma árvore grande, crescerá na escola junto de nossas crianças.”

 Nesta época já havia muitos desafios, mas como toda escola pública tem seus problemas tentei ao meu modo relativizar o que ocorria. Passei a frequentar as Assembleias de Pais e relatar algumas situações específicas que ocorreram com meu filho por conta da sua condição.

Como sabem o Leonardo faz uso da PECS (sistema de comunicação por troca de imagens), e usa uma pochete na cintura com várias imagens que pode formar sentenças para fazer pedidos. Mas, como toda criança de seis anos que passa pela transição de troca de escola, em um ambiente novo, cuidadores e professores novos, tudo precisa de tempo e adaptações. E desde sempre a PECS do meu filho foi negligenciada pela escola. E não foi por falta de conversas com as professoras, estagiária, coordenação, assistentes de direção, alunos e outros funcionários.

Conversamos muito, levamos terapeutas que trabalhavam com o Léo desde os três anos implementando esse sistema de comunicação, mas sempre que ele chegava à escola a Auxiliar de Vida Escolar (AVE) retirava a pochete com a PECS da cintura dele a guardava com ela, por mais que explicássemos que deveria ficar com o menino. Sua desculpa era que ele iria perder. Inclusive isso foi motivo de discussão com a professora e a estagiária, pois estas duas queriam que a pochete ficasse como Léo.

Um dia, numa discussão mais acirrada entre a AVE e a estagiária, a pochete ficou junto dele, mas no fim da tarde, quando fui buscá-lo, ninguém sabia onde estava. Essa foi minha primeira aparição na Assembleia de pais na qual fui relatar o ocorrido, e pedir para divulgar na escola alguma campanha que explicasse aos alunos que a PECS é um meio de comunicação, que se as crianças a encontrassem a devolvessem na secretaria.  Como ele frequentemente saía da classe e ficava andando sozinho pela escola, esse era um risco real.

Na entrada da escola, a senhora que fazia o transporte do meu filho, depois de algum tempo, veio me relatar que muitas vezes não havia ninguém no portão para recebê-lo, e que sua ajudante tinha que ficar com o Léo dentro da escola, pois ninguém o recebia. Como essa senhora também tem um neto autista, ela ficava muito indignada e acabava esperando alguém aparecer, atrasando as crianças que levava para casa que estavam com ela no transporte vindo de outras escolas.

Um dia essa senhora ficou tão aborrecida com o descaso que entrou na escola e se dirigiu até a sala dos professores e falou do absurdo que era não ter ninguém para receber o Léo na entrada e que o acompanhasse para sala, uma criança autista de seis anos de idade. Depois disso ela resolveu me contar que isso acontecia com frequência.

Fui até a coordenação falar sobre isso, e também sobre a PECS que havia sumido, e sobre o que poderíamos fazer para sanar esses problemas. Sobre não ter ninguém pra receber o Léo a coordenadora disse que não estava sabendo, pois disse que havia uma AVE designada e iria ver o que estava acontecendo. Já sobre a PECS ela disse que o Léo não queria usar na escola, que eles arrumariam um jeito de se comunicar com ele. Achei essa fala muito questionável. Como assim arrumar um jeito de se comunicar com ele, se ele já tem uma comunicação alternativa, e isso é um direito dele, inclusive respaldado na Lei Brasileira de Inclusão?

Neste meio tempo percebemos que o Léo passou a gritar para tudo que queria. E é claro que ele não ia usar a PECS se com um grito ele conseguia o que queria, pois sempre havia alguém para ceder aos gritos dele quando queria sair da sala de aula, ou não queria voltar para sala de aula, ou gritava porque tirava o tênis e não queria colocar. Ele gritava e pronto. Enfim, meu filho que já tinha conquistado uma maneira mais adequada para se comunicar, mesmo que frágil, retrocedeu completamente, pois a escola decidiu passar por cima deste aprendizado anterior.

Era comum nestas reuniões para acertar as arestas sobre os problemas com da inclusão do Léo a direção me dizer: “Calma mãe. Essa escola é um processo, seu filho vai se adaptar”.

A situação da entrada na escola não melhorou. E eu sei, pois nos dias que ia para o projeto da horta eu levava meu filho e nunca havia alguém para recebê-lo. Muitas vezes eu o levava até a sala de aula, outras ele ficava comigo na horta, pois ele queria ficar escorregando numa pista de skate que tinha na escola e dificilmente sozinha eu o convencia a ir para sala. Uma das pessoas que me ajudava era a estagiária, pois meu filho havia criado um vinculo com ela. Quando ela chegava e estendia a mão, ele ia com ela.

Mas nem sempre era possível que ela ficar com ele integralmente, e quando ela não estava era comum que eu chegasse à escola para buscá-lo e o encontrasse descalço. Uma vez roubaram suas chuteiras, depois os tênis azuis que a prefeitura dá de uniforme. Encontraram as chuteiras na bolsa de um aluno algum tempo depois. Já o tênis azul eu não sei, pois ele pode ter tirado em algum lugar da escola. Ficava sempre descalço. A coordenação dizia: “Você já procurou no achado e perdidos?”, pois na escola tem um grupo de alunos que fazem uma varredura na escola e organizaram um “achados e perdidos”. Não foi por falta de procurar, mas nunca achei nada do Léo lá.

Um dia eu estava no átrio da escola, esperando pela Assistente de Direção que me daria a chave do armário de ferramentas da horta. Encontrei-a pedindo para um funcionário arrastar uma mesa grande e coloca-la em outro lugar. De repente a Assistente de Direção abaixa atrás da mesa e pega, num canteiro do átrio, a pochete do Léo, vazia, sem a PECS. Aquela que há meses havia sumido.
Durante todo período que o Léo permaneceu nesta escola, por duas vezes sumiram com sua PECS. Tive que confeccionar dois conjuntos novos e uma pochete.

Tudo que relato aqui foi motivo de muitas conversas e reuniões na escola. Alguns professores me acolhiam, mas pouco faziam para mudar. Acho que as pessoas que mais nos ajudaram de fato, ou pelo menos tentaram, foram algumas mães de alunos desta escola.

Há nesta escola uma Comissão de Direitos Humanos, formada por mães, pais e professores, que passei a frequentar. Lá fui ouvida, acolhida e chegamos a pensar em projetos para ajudar a escola, não só com meu filho, mas com outras crianças de inclusão da escola.

Essa participação me dava esperança de poder fazer a diferença num espaço escolar com uma gestão democrática. Mas numa primeira tentativa de expor uma ideia numa reunião desta Comissão, a Diretora da escola se exaltou comigo, disse que eu nem havia chegado direito e já  estava criticando o Projeto, que a escola era “um processo”, e fez algumas insinuações de que já tinha ouvido falar de mim, mas não falou o que ouviu. Usou um tom de voz bastante agressivo, nocivo, que causou um mal-estar na reunião. Minha intenção era de ajudar a escola e fui pega de surpresa com aquelas acusações de querer tumultuar o “Projeto da escola” e também porque eu sempre havia admirado o trabalho da Diretora até aquele momento.

 Foi difícil ouvi-la gritar comigo. Reagi de maneira infantil, pois apenas pedi desculpas e chorei, dizendo que ela havia me interpretado de maneira equivocada. Mas ela continuou insistindo que tinha entendido que eu estava fazendo.  Mães e pais presentes, assim como alguns professores, questionaram a atitude autoritária da Diretora. Rolou uma discussão bem acalorada, se assim posso dizer. Neste momento meu esposo chegou, pois havíamos combinado dele ir me buscar. Ficou sem entender  ao entrar e ver a discussão e minha cara de quem havia chorado. A reunião terminou assim, sem mais nem menos, pois a minha fala tinha ficado por último na pauta e o horário havia excedido.

A partir daquele dia, decidi que não me envolveria mais na escola e que só cuidaria das coisas que me cabiam como mãe do Léo.

As coisas não estavam fáceis. Mas tivemos uma reunião com a Coordenação e desta vez recorri ao CEFAI para nos ajudar, pois já estávamos gastando os recursos de diálogos com a escola, sem um resultado. Entre as coisas decididas foram a: designação de uma AVE fixa para pegar o Léo na entrada, o apoio mais integral da estagiária junto dele, uma vez que eles tinham criado um bom vínculo, e um uso mais efetivo da PECS na escola.

 Quando o recesso chegou e pude ficar mais tempo com o Léo em casa, vi o quanto ele estava diferente. Chorava por qualquer coisa, passava o dia gritando e aos poucos fui usando meus treinamentos e cursos em ABA (Analise do Comportamento Aplicada) para fazer algumas intervenções em seu comportamento. Passei a usar a PECS com ele para tudo, mesmo que ele se recusasse. Treinos de ecoicos, tatos e mando faziam parte do dia a dia.

O recesso da escola dele foi pequeno, pois houve reposição de alguns dias da greve do inicio de 2018. Preferi não mandá-lo para escola na reposição, uma vez que eu estava em recesso na escola que leciono. Assim pude modificar um pouco os comportamentos difíceis que estava apresentando.

Na primeira semana de agosto estava levando meu filho para escola. Havia chovido na parte da manhã e o chão da escola de cimento ainda estava bem molhado. Logo que chegamos ao portão de entrada não havia nenhuma AVE para recebê-lo e, para minha surpresa, o Léo não quis entrar. Fui tentando leva-lo para dentro, mas ele já fez aquela famosa manobra que os autistas fazem de amolecer o corpo para se jogar no chão. Segurei-o, pois ele iria ficar todo molhado, e fui tentando levá-lo para dentro da escola.

Quem tem filho autista consegue imaginar melhor essa cena. Eu, preocupada que ele não se molhasse no chão, ele se debatendo, e eu com receio de machuca-lo.

 Quando finalmente cheguei à porta do átrio, uma coordenadora passou por nós dois e simplesmente pulou o corpinho do Léo, ignorando a situação de uma aluno público-alvo da educação inclusiva se recusando a entrar na escola e chorando.

Ao vê-la passar por nós, alheia, sem nos oferecer ajuda ou sequer nos cumprimentar, a chamei pelo nome e disse “Fulana, oi né?”. Ela virou, respondeu um “oi” displicente e continuou andando. Veio uma mãe que estava na escola para me ajudar. Pegou a mochila do Léo que havia caído. Assim que entramos no átrio o Léo levantou e correu para a pista de skate.

Neste dia não teria atividade de horta e eu tinha um compromisso, então não poderia ficar com o Léo nos fundos da escola à espera da estagiária. Fui até a secretaria, falei que estaria com o Léo lá na pista de skate, mas que chamassem a AVE para me ajudar a levar o Léo para sala.

Esperei bastante e ninguém veio. Eu já estava chorando de raiva com descaso quando resolvi ir novamente à secretaria, quando cruzei com o Professor da Sala de Recursos que estava chegando do almoço. Perguntou o que estava acontecendo e expliquei a situação. Ele gentilmente foi buscar o Léo e, com muito profissionalismo, conseguiu sua atenção e o conduziu para a sala.

Fui embora arrasada. Escrevi uma solicitação das imagens de uma câmera de segurança que fica na entrada da escola para mostrar a atitude da coordenadora diante de nós. Mas se eu realmente fizesse isso quebraria o que restava de confiança na escola. Nunca enviei o pedido.

Neste mesmo dia encontrei a estagiária, que me disse que haviam rescindido o contrato dela, alegando que ela tinha uma filha na escola. Até hoje não entendemos esse papo furado, pois a escola está cheia de pais trabalhando lá dentro como voluntários.

Ainda no inicio de agosto, também num dia frio e chuvoso, eu estava dando aula e meu celular tocou, pedi licença para meus alunos, avisei que precisava atender, pois era da escola do meu filho. Era por volta das 14:10hs. A secretária ligou dizendo que o Léo havia tomado chuva, e se eu poderia ir busca-lo. Tinham trocado a roupa dele, pois na mochila estava o uniforme da clinica onde ele fazia terapia na parte da manhã, mas não havia meia e tênis para colocar, e devido ao frio que estava, era melhor eu busca-lo ou levar uma meia e um tênis. Trabalho no município de Barueri. Pelo frio e chuva que estava, decidi buscar meu filho e leva-lo para casa.

Quando cheguei na escola não havia nenhuma criança no átrio, ou do lado de fora do prédio. Fui até a secretaria para pedir para avisar que vim buscar o Léo. Enquanto aguardava alguém para me atender, olhei na direção da biblioteca e vi que havia uma roda de conversa, e quem estava na roda? Minha querida deputada Luiza Erundina (PSOL).

Fui autorizada a ir pegar o Léo, pois não havia funcionários disponíveis para ir até a sala de aula. Chegando lá o Léo estava sentado na cadeira fazendo uma estereotipia com pecinhas de quebra cabeça, o cabelo bem molhado, uniforme da clinica Lumi, descalço. A nova estagiária trouxe-o até mim. Disse que quando chegou ele já havia tomado a chuva. A professora era nova também e não soube dizer o que acontecera, que já o trouxeram para sala molhado. Eu estava tão nervosa que não queria nem ouvir, só queria sair daquela escola, o que foi difícil porque os alunos queriam ir para o átrio, mas um funcionário não os deixava passar, para não ter barulho e atrapalhar a reunião que acontecia na biblioteca. E tive que passar pelo meio de adolescentes eufóricos desafiando o funcionário a abrir a porta.

Enfim, conversei com os adolescentes e eles concordaram em me deixar passar. Ao chegar em casa, abri uma sacola onde haviam colocado o uniforme molhado do Léo. Havia no fundo uma quantidade de água suja que decantou da roupa molhada.

Leonardo na sua inocência não deve ter percebido o abandono e a sua exclusão do ambiente escolar, deve ter se acabado de pular nas poças de água se sentindo a própria Peppa Pig. Pelo menos assim espero.

 Até hoje não sei se alguém o viu e foi busca-lo, se alguém sentiu sua falta na turma do 1º Ano e foram procura-lo, ou se ele simplesmente saiu da chuva por conta própria e foi para dentro da escola todo molhado.

Deste dia em diante não mandei o Léo mais para escola. Ele passou a frequentar um espaço de brincar no período da tarde, para que eu pudesse ir dar minhas aulas. Nos dias em que não dava aula à tarde ele ficava comigo em casa. Liguei na escola para pedir uma reunião de esclarecimento, ao que a assistente de direção pediu para eu fazer uma solicitação da reunião por e-mail. Mandei o e-mail no dia 6 de agosto, me responderam no dia 14, agendando a reunião para dia 17.

Nesta reunião novamente tentaram acertar as arestas. A coordenadora chegou a pedir desculpas por ter passado por cima do Léo naquele retorno as aulas, disse que devia estar preocupada com algo e não percebeu a situação. Mas no dia 17 não havia mais o que falar, fomos para ouvir o que tinham para nos explicar e para dizer que precisávamos do termo de transferência. Neste meio tempo, recorri ao CEFAI e pedi para que me ajudassem, pois estávamos quase desistindo da educação inclusiva.
Foram muitas conversas com o CEFAI, profissionais que nos guiaram neste momento doloroso.

Doloroso porque não era uma escola qualquer. Dentre as escolas municipais da capital ela se construiu num modelo muito rico do ponto de vista pedagógico, e acabara de ganhar um prêmio internacional de educação inovadora. Mas o que vivemos e o que vi ali, também em relação a outras crianças, público-alvo da educação inclusiva ou não, não tem nada de inovador. Uma escola gerida por um grupo de pais captadores de recursos para a escola, mas sem nenhum entendimento sobre as peculiaridades da infância e do autismo. Era sempre uma espécie de “se virá aí!”.

 E uma criança autista de grau moderado, sem conseguir se comunicar através da fala, e com pouco comportamento de ouvinte não “se vira aí!”. Nós, pais do Leonardo, havíamos lido sobre o PPP da escola, participamos de eventos e até de uma tentativa de uma comissão de Inclusão eu cheguei a participar, quando ainda era psicopedagoga de uma criança estudante desta escola. Tudo isso ainda quando meu filho estava na educação infantil. Nós desejávamos fazer parte daquela comunidade escolar, queríamos que nosso filho estudasse lá. Mas nossa história foi de abandono e exclusão.

Desta escola guardo ainda uma tristeza, um sentimento ruim, pois ela tem tudo para voltar a dar certo, mas ali se estabeleceu um jogo de pequenos poderes entre pais de alunos captadores de recursos dos projetos da escola, uma direção que se perdeu no ego de sua própria história, do “seu projeto”.
Também guardo boas amizades com algumas mães e pais que conhecemos nesta escola, pessoas incríveis que lamentaram nossa saída, que antes tentaram nos ajudar, mas que diante da chuva que o Léo tomou do lado de fora da escola sozinho, não havia como nos convencer a ficar lá.

Espero que um dia alguém consiga colocar as coisas num rumo de harmonia nesta escola, pois eu nunca pedi nada demais, fui até lá atrás de uma proposta interessante, mas que só vi no papel.

 Hoje meu filho está em outra escola pública municipal. Lá ele é respeitado, vai e volta uniformizado, teve direito ao Transporte Educacional Gratuito, usa a PECS com a pochete na escola, fica em sala de aula com a turma, a professora fez um trabalho lindo com as crianças, que por conta disso sabem brincar e se comunicar com o Léo, e ajudam muito ele. A escola recebe muito bem as instruções da fonoaudióloga que trabalha com meu filho, e mantêm contato frequente com a analista do comportamento que acompanha o desenvolvimento das terapias, para que escola, família e terapia andem juntas em prol do desenvolvimento do Leonardo.

Essa é a grande questão. A escola anterior coloca seu “PROJETO” em primeiro lugar. Tudo é em nome de um projeto que se esconde num processo, e por último olham para as crianças que estudam ali e que não são filhos de pais que tem influência dentro do tal projeto.
Esta foi  nossa história nesta escola.

Foi muito difícil escrever esse texto, confesso que tive que parar às vezes a digitação por ter náuseas ao relembrar de detalhes. Mas eu precisava escrever, pois a educação inclusiva não é fácil para ninguém, mas temos que insistir, nossos filhos são cidadãos e tem direitos de estar na escola.



sexta-feira, 5 de abril de 2019

Inclusão sócio cultural. Vamos Pensar?





Essa é a carta que segue sem resposta, em algum lugar da inteligência artificial do sistema.
Mas estamos aqui, seguindo e pedindo por um mundo mais inclusivo, pois 
é fácil dizer que o autista vive no mundo dele, quando também não nos abrimos para conhecer seu mundo.


Ao atendimento do Itaú Cultural

No dia 03 de março de 2019, um domingo, estivemos no Itaú Cultural para prestigiar a exposição “Ocupação Manoel de Barros” e a apresentação infantil “Crianceiras”, baseado na obra infantil do poeta. Estávamos aproveitando o feriado de carnaval entre família eu, meu esposo e meu filho, e ainda uma amiga que mora no Litoral de São Paulo, que há 15 anos trabalha com educação infantil, realizando projetos educacionais utilizando a obra poética de Manuel de Barros como base. Sua mãe de 70 anos estava com a gente. Ela mora no interior de São Paulo e desde os 15 anos de idade não visitava a Av. Paulista. Também estava o filho de 12 anos desta minha amiga.

Como meu filho é uma criança de 7 anos que tem TEA (Transtorno do Espectro do Autismo), achamos que seria tranquilo sair para a exposição. Lembro que comentei antes mesmo de sair de casa que por ser num espaço cultural seria mais apropriado para sair com meu filho naquele feriado de Carnaval.

Como disse, minha amiga é uma estudiosa da obra de Manuel de Barros e já conhecia todas as músicas e animações da apresentação musical “Crianceiras”. Inclusive ela tinha apresentado as músicas para meu filho que, por ser muito musical e adorar animações, mostrou muito interesse.
Enfim, era para ser um fim de semana de reencontros entre família, amigos e poesia.

Meu filho é uma criança doce que adora música, instrumentos musicais e, embora tenha TEA, sempre buscamos sair com ele, inclusive somos voluntários da Sessão Azul (Sessão de cinema adaptada para pessoas com TEA e distúrbios sensoriais). Meu filho é uma criança não verbal, se utiliza de comunicação alternativa, mas ainda de forma a fazer apenas alguns pedidos. Ele frequenta a escola regular, faz 20 horas de terapia por semana e 2 horas de fonoaudiologia por semana. Ou seja, é uma criança muito esforçada para transitar entre o seu espectro do autismo e as demandas e exigências do nosso mundo neurotípico.

Essa foto foi tirada enquanto aguardávamos o show.

Logo que chegamos à exposição uma funcionária me abordou para que levasse a minha mochila até o guarda volume. Assim que saí para ir ao guarda volume a mesma funcionária fez o seguinte comentário: “Eh, mãe, se essa moda pega, hein?”.  Ela se referia ao nosso cinto conector (um conjunto de cintos que unem a mãe e a criança, que é usado principalmente em autistas não verbais em lugares com muito fluxo de pessoas, para que sintam mais seguros, não fujam ou se percam). Neste momento eu parei e expliquei para ela que meu filho é autista e o motivo pelo qual usava o cinto. Conversamos um pouco sobre autismo e foi tudo bem. Mas notem que ao entrar já tive que esclarecer a condição do meu filho sob um olhar julgador.

Se fosse apenas isso, tudo bem. Mas foram tantas coisas...

Ao entrar no espetáculo, pedi aos dois funcionários que recolhiam os ingressos para que fôssemos os últimos a entrar. Expliquei novamente a condição de meu filho e que ele poderia não entender o período de espera sentado, gerando ansiedade.  Quando entramos, o show começou e meu filho estava bem tranquilo, não gritou nem ficou com auto estimulação. Conseguimos assistir pelo menos 3 músicas no lugar que foi reservados para pessoas especiais, nos fundos. Nós já estávamos felizes e admirados com o fato de meu filho estar tão bem durante o show por 3 músicas, prestando atenção nas animações, mas em determinado momento ele quis ver o show mais de perto. Certamente reconheceu as animações e cantigas que minha amiga havia lhe mostrado passando no telão e quando viu que ela mesma já estava mais à frente quis ir junto. Neste momento ele ainda estava comigo, unido pelo conector em nossas cinturas. Ele se aproximou do palco e sentou nas escadas. Estava muito atento aos instrumentos, às animações, curioso e, acima de tudo, feliz por estar ali.

Enquanto estivemos na frente, por 3 vezes funcionários vieram pedir para a gente sair. Tentei explicar a condição dele, de que não é simples pedir coisas para uma criança no espectro do autismo, quanto mais tirá-la de algo que é alvo de seu interesse. Tirá-lo dali naquele momento causaria uma situação de crise disruptiva. Ele ficaria nervoso, gritaria e faria uma “cena”, o que era justamente o que eu estava tentando evitar, afinal ele estava junto a mim no conector, seguro e feliz. Mas os funcionários vinham de tempos em tempos e criavam a própria “cena”, como se meu filho fosse uma criança mal educada, e ao invés de me ajudarem com a situação, nos expunham à plateia, que nem estava se importando com a nossa presença até que eles começaram a ficar ali com caras amarradas, encarando a diversão do meu filho como se fosse um problema.

Já ao final do espetáculo, quando os artistas desceram para interagir com a plateia, eu peguei meu filho no colo para que os músicos passassem. Neste movimento o conector se soltou e meu filho subiu no palco, sem que eu pudesse evitar.

Se preso a mim os funcionários já não tinham nos deixado em paz, imagina quando meu filho subiu no palco?

Ele ficou lá, dançando e vendo as animações, e os funcionários, de forma muito autoritária, praticamente brigaram comigo para que eu retirasse meu filho do palco. O problema é que, se eu subisse para busca-lo, possivelmente ele entenderia como uma brincadeira e poderia ficar correndo de mim, como num pega-pega. Eu poderia esperar um pouco e chamá-lo de uma maneira que sei que ele entenderia.

 Mas os funcionários não quiseram me ouvir, insistiram para que o tirasse do palco. Subi quando meu filho tentou pegar a baqueta que a baterista havia deixado enquanto interagia com o público infantil neurotípico da plateia.

Neste momento que subi tentei sem forçar fazer com que meu filho descesse, mas ele foi para trás do telão. Os funcionários disseram que lá tinha fios e que era perigoso, para eu ir buscá-lo. Fui novamente ao palco e percebi que não havia fios atrás do telão. Aquilo me indignou, pois não estavam preocupados com a segurança dele, mas com o fato dele estar no palco. Aliás, sempre foi esse o problema, desde que nos aproximamos. Ninguém para acolher, para compreender a nossa situação, ou melhor, a nossa condição. Apenas para nos julgar.

Ao final do espetáculo, fiquei tão esgotada emocionalmente por toda aquela situação que fiquei atrás do telão segurando meu filho, ainda sem entender muito bem por que as pessoas estavam tão bravas num espetáculo de poesia do Manoel de Barros, triste de tanta intolerância e falta de empatia. Fiquei ali, abraçada com meu filho, ouvindo os aplausos para tentar sair de lá sem ser vista. Foi quando os músicos passaram por nós. Pedi desculpas para a baterista e expliquei que ele adora musica e que é autista. Foi quando o vocalista virou e me disse: “Tira seu filho daqui que o palco é meu!”. E foi embora para o camarim.

Eu acordei umas 3 noites seguidas, perdendo o sono ao me recordar dessa cena.  

Uma criança de 7 anos, autista, que gosta de música, num show para crianças com a poesia de Manoel de Barros, e toda essa história acontecendo? Há algo muito errado e tenho certeza que não foi meu filho com autismo, mas sim o despreparo das pessoas e principalmente a falta de empatia.
Arrasada por toda situação, meu esposo pegou meu filho que, na sua inocência, não percebeu o que ocorreu. Estava feliz por ter chegado perto da animação e dos instrumentos, do jeito dele, tentando interagir. Eles saíram e eu fiquei para falar com uma das funcionárias, Isadora era o seu nome, que me ouviu sem nenhuma reação empática, com os braços cruzados e me tratando como uma mãe que não sabe educar o filho. Ouvia com um olhar de superioridade.  Eu tentei explicar o quanto é difícil para nós enquanto comunidade de família de pessoas especiais saírem de casa, que os espaços precisam nos receber. Eu cheguei a me emocionar, caindo em lágrimas, mas nada a convenceu de o que fizeram foi o certo e que nós não devíamos estar ali, já que nosso filho não tem um comportamento formatado para assistir ao um show infantil quieto nos fundos e no seu lugar.

Quando saí para procurar meu esposo, entreguei o conector para ele e voltei para ir ao banheiro a fim de me recompor emocionalmente. Foi quando fui abordada por uma família que também assistiu ao espetáculo, um casal com uma criança ainda de colo. Eu não os conhecia, mas eles vieram para me dar um abraço. Disseram que estavam muito sentidos pelo o que havia ocorrido e que se colocaram no meu lugar e ficaram pensando como seria difícil passar por aquilo.

Ainda bem que ainda existem pessoas assim. Minha amiga ainda tentou argumentar com a tal Isadora em outro momento, sobre a obra de Manoel de Barros e que aquele espetáculo não poderia formatar tanto as expectativas das crianças, sejam elas autistas ou não, que os artistas dariam conta, afinal fizeram um show infantil. Mas ela não sabia que o músico havia me dito sobre sair do palco que era “dele”. Foi então que ela percebeu que realmente não havia mais nada para fazer ali. Tudo estava equivocado.

Dia 2 de abril é o dia Internacional da Conscientização do Autismo. Faremos nossa 3ª Caminhada dia 7 de abril na Av. Paulista. Em nome dos milhares que somos, peço que preparem seus funcionários e seus espetáculos para nos receber. Abram essa porta para nós e verão que o mundo do TEA é surpreendente. Aprendam e ensinem. Estamos abertos para ajudar. Não seria justo que outros passassem por isso novamente, não é justo passarmos por isso novamente, pois estaremos nos espaços culturais que meu filho gostar e for de interesse dele. Afinal, é isso que fazem os pais.
Nosso filho não é sem educação, ele é autista. É cidadão. E tem direitos.

O apanhador de desperdícios

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

Manoel de Barros

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Tempo de agradecer





Tempo de seguir novas e arriscadas etapas.

Em tempo: estou me devendo este texto.

Porque não é fácil receber o diagnóstico de autismo do seu filho, não é fácil encontrar alguém ou um lugar com quem você irá deixá-lo para ir trabalhar e saber que ele estará seguro, cuidado e, o mais difícil, aprendendo e recebendo o carinho e a atenção que envolvem o ato de ensinar. Neste medo, nesta insegurança, acabamos por ser acolhidos pela LUMI, onde nosso pequeno ficou aproximadamente quatro anos fazendo terapias, 20 horas por semana, e mais 2 horas de fonoaudiologia.

Foi na LUMI que deixava meu filho todos os dias de manhã com o coração em paz para seguir com o meu dia de trabalho. Meu receio era o período da tarde, quando ele ia para a escola regular como aluno de inclusão. Era no período da tarde que minha ansiedade dobrava. Os olhos sempre atentos no celular, para o caso de receber alguma ligação da escola. Era como se algum radar dentro de mim fosse acionado. As tardes eram meus momentos de alegrias e de agruras.

Não quero comparar aqui os dois ambientes (escola regular e espaço clinico da Lumi), até porque as propostas de ensino são bem diferentes. O que quero dizer é que meu coração de mãe especial terá sempre uma gratidão especial pela LUMI, pelas profissionais que atenderam o Léo, pela direção, e por todos os funcionários. 

Foram anos de ensino e aprendizagem, onde não só o Léo aprendeu. Nós, como pais, também aprendemos. Não apenas como pais, mas também como seres humanos, pois vivenciar e participar dos eventos e projetos do Instituto Lumi  nos reconectou com uma militância e ativismo que já havia um tempo que estava inativa.

O Léo chegou na Lumi ainda um bebê. Não falava, não se comunicava, era quietinho e ao mesmo tempo explorava todos os objetos da forma mais irregular para uma criança de três aninhos. Usava fralda, chupeta, comia sozinho com colher, mas não gostava de mastigar carnes. Aos poucos foi-lhe apresentado o PECS, fase 1, e foi um sucesso. Fazíamos tudo o que era sugerido pelas terapeutas. Logo veio a fase 2, ele parou de usar a chupeta, o desfralde que foi uma longa jornada, mas que todos da Lumi sempre nos incentivaram a persistir nas adversidades.  O Léo aprendeu as cores, as letras, a dançar, aprendeu a identificar musiquinhas, fez muitas coisas gostosas na culinária, aprendeu a quebrar ovo e tudo mais. Aprendeu a tomar banho e, como consequência, conhece as partes do corpo. Aprendeu a escovar os dentes, foi para fase 3 e 4 do PECS! 

Para quem não tem um filho atípico dentro da neurodiversidade, talvez não faça ideia de como é longo e paulatino o ensino e a aprendizagem de uma criança com TEA para a construção dessa autonomia.

Quem me conhece sabe que sou uma pessoa que crítica, que me queixo, que não tenho papas na língua. Mas a Lumi é uma Instituição que não tenho nenhuma queixa. Na verdade gostaria que existisse várias ”Lumis” pelo Brasil afora, e que muitas pudessem ser públicas ou que os convênios pudessem remunerar bem seus profissionais e terapeutas Digo isso porque muitas vezes a Lumi pesou no nosso orçamento, mas temos a certeza de que valeu cada centavo.

Algumas pessoas estranharam o fato de termos tirado o Léo da Lumi, pois sempre elogiamos e somos parceiros voluntários do Instituto Lumi. Tomar a decisão de tirar o Léo da Lumi foi mais difícil do que a tirar meu bebê da escolinha particular para matricula-lo na pública, já abordei esse tema em outro texto.

Hoje não temos mais um bebê, mas um menino que foi para o ensino básico fundamental como aluno de inclusão na escola regular. E essa mudança do ensino infantil da escola regular para o ensino fundamental está sendo bem difícil. Por natureza essa passagem já é complicada até mesmo para as crianças neurotípicas, quanto mais para as crianças público alvo da educação especial. E digamos que a escola regular para onde nosso filho foi acabou por fazer mais propaganda do seu projeto de inclusão do que realmente encontramos na realidade. Foram muitos os problemas e muitas as tentativas de ajudar o Léo e a escola. Mas chegamos à conclusão de que não estavam a fim de nos ouvir, e quando o nível chegou ao abandono, como no dia em que a escola que me ligou no meu trabalho, dizendo para eu ir buscar o Léo porque o meu filho havia ficado na chuva sozinho e estava molhado e sem calçado num dia em que a temperatura estava 15 graus, aquilo foi de envenenar qualquer projeto sério de inclusão, fora todos os outros problemas que já estavam somando. Um deles foi a escola insistir que o Léo não usava a PECS e que achariam outro jeito de se comunicarem com ele. Isso mesmo que vocês leram! Um “outro jeito” de se comunicar com ele, como se a escola tivesse mais autonomia desta decisão que nós pais e terapeutas, que há anos procuramos ensinar o Leonardo a se comunicar, uma vez que ainda não fala. Não vou me alongar sobre essa escola, pois teria que escrever um texto somente para esse período que o Léo passou por lá. 

O fato é que por mais de um mês o Léo ficou sem ir para a escola. Fiquei mais tempo com meu filho em casa devido ao recesso de meu trabalho, e porque a escola que estava demorou quase um mês para agendar a reunião sobre a “chuva” que meu filho tomou. Neste intervalo não o mandei mais para essa escola. Depois que ele saia da Lumi , ficava  com meus pais  ou num espaço de brincar com pessoas super humanizadas chamado Pé de Baraúna, onde toda vez que ia buscá-lo meu filho estava feliz e sabiam me dizer coisas que faziam sentido sobre ele. 

Este tempo fez com que passássemos a observar com mais clareza algumas mudanças do Leonardo nos últimos meses. Ele estava mais birrento, com crises de choro, com altos e fortes gritos e mais resistente para usar o PECS em ambientes que antes fazia uso adequado. Para nós da família passou a ser um momento muito difícil e resolvemos pedir ajuda à Diretoria de Ensino. Neste período passavam por nossa cabeça várias dúvidas: desistimos já da Inclusão e o deixamos na Lumi em período integral, ou tiramos ele da Lumi e o colocamos para fazer terapia em casa e damos mais uma chance a educação inclusiva?  Infelizmente não temos grana para uma 3ª opção, que seria o deixar na Lumi e também fazer terapias em casa. 

A equipe de profissionais da Diretoria de Ensino sempre manteve um diálogo muito aberto e sincero com a gente, e desta vez não foi diferente. Mesmo diante de todas as limitações que existem na educação pública inclusiva, deram bons argumentos e novos horizontes para continuarmos nessa luta. Resolvemos então dar esse novo passo na nossa jornada. O Léo mudou de escola, onde foi bem acolhido. E optamos por tirá-lo da Lumi, substituindo-a por uma terapeuta em casa.
Foi muito difícil dar a notícia na Lumi sobre a saída do Léo. Mas, de qualquer forma, ainda estamos lá, fazemos terapia de fonoaudiologia duas vezes por semana na Lumi. Quem sabe ainda não faremos mais sessões? 

É quase um dever meu vir aqui e elogiar o trabalho de todos da Lumi. Seremos eternamente gratos por tudo o que aprendemos, por todas as trocas e, claro, pela certeza de que o Léo sempre se sentirá seguro com qualquer pessoa da Lumi. Certeza que o Léo sente saudades, que sentimos saudades, pois acabamos por criar um laço de amizade e respeito.

Então, se algum dia alguém vier me perguntar o que acho da Lumi, direi que é excelente! 

Recomendo!

Por hora cada um tem sua história, seus percursos e escolhas. Nem toda partida é por motivos negativos. Escolher novos caminhos faz parte da vida, e assim segue a nossa. Se um dia a gente perceber que temos que fazer o retorno, nós retornaremos, pois já experimentamos e aprovamos. Afinal, sabemos que nossa escolha é bem arriscada, ainda mais nos tempos de hoje em que entramos numa “nova era” onde o governo quer negar a diversidade de gênero. Como é que será o futuro em relação à inclusão das pessoas com neurodiversidade?

Temos uma questão de princípios com a escola pública, inclusiva e de qualidade. Sabemos que esse é um espaço que está sendo construído e não podemos deixar ser tomado ou negado. Seguiremos nesta luta. Mas é claro que a segurança do nosso pequeno sempre virá em 1º lugar.

Obrigada a TODAS e TODOS da Lumi que estiveram junto com a gente nesta jornada e que de certa forma ainda estão.



 VOCÊS SÃO MARAVILHOSXS!!








E contem com essa família Azul sempre que precisarem!