Como planejado voltei ao CRIAM (Centro de Reabilitação
Amigos do Marinho) para avaliação e atendimento do Leonardo em janeiro de 2014.
Fizemos mais uma anamnese. Mais uma. Mas desta vez o Alê estava presente, e ele
me ajudou a lembrar de outras informações que eu não havia mencionado em anamneses
anteriores. Três especialistas participaram: a fonoaudióloga, a fisioterapeuta,
e a terapeuta ocupacional. Três jovens que, desde o primeiro momento, atuaram
com o devido profissionalismo, logo transmitindo confiança no trabalho
desenvolvido por elas. Depois da anamnese elas avaliaram o Léo. Tivemos que esperar
alguns dias para a devolutiva, conduzida pela psicóloga.
Quando procuramos o CRIAM nosso objetivo encontrar um lugar
onde ele pudesse fazer a terapia ocupacional em grupo. Ela nos disse que não
conseguiram montar um grupo para o Leonardo, pois as outras crianças tinham necessidades
diferentes da dele, e que aquilo não seria o ideal, que pouco ajudaria o seu
desenvolvimento. No lugar aconselharam que ele fizesse sessões de Psicoterapia,
com o olhar da psicomotricidade.
Quando voltamos à neuropediatra, ela falou novamente da
importância de um olhar multidisciplinar para o Léo. Sim, ele já estava na
fono, e em breve começaria a psicoterapia, mas ela insistiu na importância da
Terapia Ocupacional, de preferência em grupo. Solicitou também um
Eletroencefalograma, mas ele não mostrou nenhuma anormalidade. Voltaríamos para
próxima consulta em dois meses, e de preferência com o Léo fazendo TO. Ela
sabia que não poderia nos obrigar, então fez de tudo para nos convencer. Não
que eu precisasse de convencimento, mas sua eloquência facilitou o peso de uma
possível culpa por colocar o Léo em mais uma terapia. Ele só tem dois anos.
Fui procurar a pediatra do SUS, contei todo essa trajetória
de exames e suspeitas. Ela prontamente me deu uma guia encaminhando o Léo para
Terapia Ocupacional infantil em grupo. Também deu uma guia para que passássemos
com um médico Geneticista.
A terapia ocupacional era realizada no Ambulatório de
especialidades do Peri-Peri, região do Butantã. Não havia esse tipo de terapia
no meu convênio e, como já escrevi em outro texto, os lugares particulares
tinham preços absurdos por sessão.
Mais anamneses. Desta vez mais duas. Uma com uma fono e
outra com a TO. Já estava ficando craque nisso, mesmo assim sempre em algum
momento as lágrimas caiam. Muitas perguntas difíceis, muitas memórias belas às
vezes manchadas por detalhes antes irrisórios, mas que naquela situação
ganhavam uma proporção muito maior. Essa história de anamnese precisa ser
repensada pelos teóricos. Entendo que é importante, que sem informações
relevantes é impossível trabalhar, mas o processo é um massacre para a mãe,
especialmente quando feito repetidas vezes.
A terapia em grupo no AE do Peri Peri era realizada com um grupo de 5 crianças, com síndromes diversas. Algumas crianças
estavam na terapia desde bebês. Crianças maravilhosas, alegres e cheias de
vida. Acolheram super bem o Leonardo, pois agora ele era o bebê do grupo.
A sessão era da seguinte forma: entravam todos na sala da
fono e ficavam lá por aproximadamente 25 minutos; depois ela os acompanhava
para a sala da Terapia Ocupacional, onde permaneceriam por mais 30 minutos.
A sala de Terapia Ocupacional era uma alegria só. Dava para
ouvir da sala de espera. A voz da TO, da Fono, ambas incentivando cada
conquista deles. Apenas uma criança falava, mas os sorrisos e a expressão do
olhar de cada criança quando saiam da sala da TO diziam muito mais que qualquer
palavra poderia traduzir. Era lindo de se ver.
A Terapeuta Ocupacional ficou sabendo da consulta com o
Geneticista, e como ele atendia naquele mesmo ambulatório, ela disse que iria
levar todo o prontuário do Leonardo para ele ver antes da consulta. Disse
também que, se pudesse, me acompanharia na consulta, onde poderia contribuir
contando a respeito do estímulo que era realizado durante as sessões do Léo com
o grupo.
Como o Léo já havia feito o exame de Cariótipo, que estava
normal, o Geneticista disse que ele deveria continuar com a terapia e a
estimulação em grupo. Disse também que provavelmente tudo aquilo tinha alguma
origem ambiental, e que com a estimulação e o tempo ele ficaria bem. Recomendou
algumas atividades para a TO, que conseguiu acompanhar a consulta, e que o Léo continuasse
com o acompanhamento neuropediátrico.
E o ano de 2014 começou assim. Muitas terapias, muita
interação, muita preocupação, muita estimulação, muitas descobertas e muito
amor.
Todas essas etapas eu dividi com amigos e familiares. Tive
que abrir o jogo com amigos que convivem com o Léo, pois estava evidente que
ele não interagia como as outras crianças, ignorava os chamados e as tentativas
de brincadeiras dos adultos. Também contei para os amigos que não convivem com
o Léo, mas são amigos que tenho como família, principalmente alguns com quem
trabalho. E claro, com minha família, que dividimos esse amor incondicional com
o Léo.
Encontrar e iniciar todas essas terapias foi um alívio. O
Leonardo começou a interagir, brincar um pouco mais. Durante este ano, aprendeu
muitas coisas. E essa evolução foi dando uma esperança de que talvez realmente
fosse só coisa do tempo dele, que de uma hora para outra ele iria falar e se
tornar um tagarela. Ouvi muita gente dizer isso, sempre com a melhor das
intenções. Mas alguns autistas não falam e essa é uma característica que também deve ser respeitada. Não falar não significa que não entendam ou que não saibam se comunicar. O autista já tem dificuldade de interação social. Se ele não fala as pessoas enxergam o problema como algo ainda maior, pois se sentem em cheque, uma vez que agora também precisam conseguir criar uma ponte para se comunicar com ele. É isso que fazemos hoje, criamos nossa ponte. E é apenas isso que precisa ser feito.
A terapia que eu mais senti resultado foi a TO. Mas também
era onde eu ouvia ele chorar mais. Ele precisava seguir comandos, fazer coisas
que exigiam atenção e interação, mas tudo o que ele queria fazer era o que lhe
dava na telha. A TO sempre me explicava no fim da terapia os motivos de alguns
choros “O Léo quer subir na mesa, ou num equipamento que o coloca em risco de
queda, quando falo não pode ele desatina a chorar.”
Numa destas conversas de fim de terapia, o Léo ficou de mãos
dadas comigo ouvindo a TO falar, sem me puxar, sem sair correndo sem direção. Ficou
ali, parado de mãos dadas comigo e esperando. Essa foi a primeira vitória. Eu
nunca havia conseguido ter alguns minutos de conversa com alguém com o Léo ao
meu lado, me esperando daquele jeito, tão tranquilo. Desde então nós conseguimos
sair com o Léo para supermercados, encarar filas, tarefas tediosas mas
necessárias, pois agora ele não tinha mais tanta necessidade de correr e
explorar o mundo inconsequentemente. Ainda é curioso e agitado, mas de maneira
mais controlada. E o mais importante: ele começou a se importar mais com a
nossa presença. Sempre que ele corre um pouco mais na nossa frente ele para e
olha para trás, observando se nós (pais ou avós) estamos por perto. Isso foi um
alívio, porque antes ele simplesmente “fugia”, sem se importar se estivéssemos
por perto para salvá-lo de algum apuro ou não. E sempre estávamos por perto, claro.
A psicoterapia também o acalmava, e isso também ajudou
muito. No CRIAM tem uma atividade chamada ‘ciranda’, onde os pais realizam
atividades junto com os filhos em um grande grupo. Eu adorei essa proposta. Sentar
com seu filho numa roda, cantar músicas que envolvem de forma lúdica a
estimulação, coisas que depois os pais poderiam fazer em casa com a família e a
criança. Tudo muito legal. Mas quem disse que o Léo consegue se sentar em uma
roda? Quem disse que o Léo quer olhar os outros, imitar ou interagir? Eu ia às cirandas, pois acho maravilhoso os
pais, as mães e avós brincando com seus anjos. É uma coisa linda de vivenciar.
Mas eu não poderia forçar o Léo a ficar. Em determinado momento parecia que ele
dizia “Já chega, deu! Tô fora desta! Vou correr e ser livre, com vento na minha
cara, sem ninguém olhando para mim!”. E literalmente era isso o que ele fazia.
Mas quando ele via ou ouvia a Psicóloga chamar, a corrida era em direção a ela.
O vínculo que ele fez com ela foi sensacional, se entendiam só pelo olhar.
Já a fonoaudiologia não foi tão frutífera. Acredito que foi
por falta de vínculo. Em todas as outras terapias ele ficava bastante tempo nas
sessões, mas com a fono ele sempre quis ir embora antes do tempo. Apenas uma
vez conseguiu ficar 15 minutos antes de chorar para ir embora. A sala de espera
era um cubículo. Para ele era uma tortura ter que esperar lá. Depois de mais de
um ano, ela mudou de consultório, sala de espera ampla e com brinquedos, mas já
era tarde. E nessa situação é fácil encontrar outros motivos. Tivemos que
começar uma nova busca por fonoaudiologia. Mas isso vou contar em outra
oportunidade.
Todas essas terapias, todos esses olhares terapêuticos,
ajudaram muito. E embora essas terapias tenham feito parte do processo para o
diagnóstico, não acho que tenha levado o Léo a todas elas apenas para que fosse
avaliado, mas também para fosse compreendido. Por mim inclusive. Sou grata e
tenho um carinho imenso por cada especialista que atendeu meu filho em 2014.
Elas me ajudaram a enxergar a ponte necessária para a comunicação entre nós. Sempre
trataram o Léo como o que ele é: uma criança. Sempre evitaram rótulos ou deram
a entender que o Léo fosse isso ou aquilo. Para elas o Leonardo é o Leonardo, o
Dudu é o Dudu, a Olivia é a Olivia, a Dani é a Dani, cada uma delas especial à
sua maneira, como toda criança tem que ser.
Escrevo estes textos contando minha história pois, mesmo já tendo compartilhado com meus amigos, ainda
assim me encontrava muito sozinha. Nunca encontrava outra mãe que tivesse
vivenciado o que eu estava passando, para poder me dizer o que ela já havia
passado, que tudo isso é normal. Mas, mesmo sendo normal, não era algo
habitual. Nada nem ninguém te prepara para a realidade de ter um filho especial.
Nós não sabemos até vivermos na carne.
O que eu quero dizer
é que estes textos não são desabafos. Para isso tenho minha terapeuta, tenho
minha mãe, meu companheiro, meus amigos. Estes textos são para mostrar a
realidade de outra maternidade, uma a que não estamos preparados. São para
mostrar que existem caminhos diferentes, por vezes difíceis, mas hoje eu sei
que não estou sozinha nesta jornada. Existem
outras, existirão outras. Uma maternidade assim pode acontecer com qualquer um.
Espero que estes textos encontrem leitores que possam criar a empatia por essa
outra forma de viver a maternidade, e que isso auxilie no combate a alguns
preconceitos. Espero encontrar leitores que, como eu, pensavam estar sozinhos, e
que eles percebam que na verdade somos muitos.
Mesmo que alguns de nós ainda não tenhamos encontrado nossas
vozes.
Estou literalmente devorando seu blog. Quanta simplicidade em descrever algo tão confuso e doloroso a nos mães de crianças especiais... E muito obrigada por compartilhar um sentimento que tbm me preenche... A solidão de sentir sozinha e muitas vezes incompreendida.
ResponderExcluirEspero que os textos nos ajude acalmar nossas angustias, pois são muitos os sentimentos que não encontramos por aí, mas que nós carregamos.
Excluirabraço,