sábado, 8 de julho de 2017

Ciranda da Inclusão



Sentar para escrever está cada vez mais difícil. A vida anda corrida, muita coisa para fazer, o que faz com o pouco tempo livre que tenho seja tomado por outras atividades que não são sentar e escrever. 

Fico mentalmente escrevendo textos na minha cabeça, elaborando argumentos sobre situações vividas que gostaria de escrever para compartilhar essas vivências cheias de sentimentos, ideias, frustrações, conquistas.

Estou escrevendo esse texto porque aconteceu algo surpreendente, que merece ser registrado e compartilhado, sobre o processo de Inclusão na Escolar no ensino infantil do Leonardo.

Ano passado escrevi o texto sobre a festa junina na escola, quando fomos literalmente segregados. Para quem não leu ou não lembra, o texto é este aqui: http://observatoriolivre.blogspot.com.br/2016/06/hoje-cinzas-mas-sempre-fenix.html 

Neste relato conto como foi triste ver meu filho completamente fora das atividades da escola, sem nenhuma tentativa de inclusão. Não foi apenas o fato de não ter dançado. Quem já não viu uma criança se recusar a dançar a quadrilha ou qualquer outra apresentação que tenha ensaiado? Mas nada havia sido feito pelo Léo, com aquela desculpa: “Ele não faz, é o tempo dele!”. Se nós pensássemos assim, é bem provável que meu filho estivesse até hoje sentado olhando um ventilador ou rodando rodinhas de carrinho.

Com pessoas que tenham o Transtorno do Espectro Autista, temos que achar caminhos, persistir com consistência, sem forçar, mas não podemos deixar tudo do jeito deles sem sequer tentar ensiná-los, afinal eles têm a capacidade de aprender. O que precisamos é achar o caminho de como fazer para ensiná-los. E com o Léo é assim. Ano passado já havia dado grandes passos no caminho de novos aprendizados.

Mas este ano a vida nos deu uma surpresa: duas novas professoras, que chegaram com muito cuidado, com muita dedicação, para incluir o Léo na turma. Duas professoras que estão dispostas ao diálogo tão importante para a Inclusão Família/Escola/Terapeutas. Todo um diálogo que já havia sendo feito, mas que de repente passou a fluir com muita naturalidade.

Pela primeira vez desde que o Léo entrou na escola, desde o berçário, que não pude comparecer na data marcada da reunião de pais. Marquei então um dia para conversar com as professoras, separado do coletivo de pais.

Uma reunião simples, onde estavam presentes eu, as professoras e o coordenador. Esse tipo de reunião deveria ser normal, mas, para nós, pais que tem filhos especiais e com os constantes problemas relacionados à inclusão, o mero normal pode ser maravilhoso.

Na reunião me mostraram um material adaptado, que não sabiam dizer se era o ideal para o Léo, mas que haviam pesquisado e produziram para ele, e que a estagiária e a professora faziam junto com o Léo na sala de aula. Contaram com propriedade as peripécias do Léo na hora do parque e do lanche. Quem não ficaria feliz ao ver esse trabalho das professoras?

Essa reunião foi no final do 1º. Trimestre. Então questionei sobre a festa junina. Uma das professoras me disse que já estava pensando sobre isso há um tempo, e como o Léo tem uma estereotipia de agitar “hastes” (lápis, varinhas, galhinhos de árvore, bandeiras, etc.) ela pensou em usar esse interesse dando um significado, para que ele participasse e que também seria de interesse das outras crianças. A professora escolheu a música “Ciranda do anel”, de Bia Beltran, https://www.youtube.com/watch?v=h79ibs2jNvQ onde as crianças teriam varinhas com fitas azuis e brancas, e as balançariam durante a dança representando o mar.

Agora, pensem: vocês imaginam o tamanho do meu coração quando a professora me disse isso, depois de tudo que ocorreu no ano anterior? Para nós, nem era mais importante se o Léo dançaria ou não no dia. Sabíamos que ele participaria nos ensaios, junto com as outras crianças, dentro do processo das atividades, e fazendo parte do grupo nos próximos meses.

Estaria incluído.

E os ensaios aconteceram. Sempre que ia buscar o Léo no final do dia alguma criança ou funcionário comentava que o Léo estava gostando da dança. É claro que isso criou uma expectativa em todos. O Léo é muito querido e respeitado na escola. Como sabem, sou professora, e sei muito bem como são esses desafios de montar projetos e ver o resultado no dia, ainda mais quando se trata de Inclusão. 

Tenho guardada comigo uma dança que organizei num 7º Ano, “Cavalo Marinho de Pernambuco”, onde o Boi foi um aluno com dislexia e TDAH. Lembro-me da surpresa de vários pais e alunos quando a dança da turma acabou e o aluno saiu de baixo do Boi e todos viram que aquele lindo Boi foi conduzido por aquele aluno em especial. A conquista é dele, mas fiquei cheia de orgulho da superação do meu aluno, da alegria que ele sentiu por ter sido o personagem querido da festa. São coisas que nós professores guardamos para a vida toda.

No dia da festa, o Léo não dançou. Ao chegarmos à escola, viu uma garotinha com uma boneca na mão e começou a andar atrás dela e da família. Demoramos em perceber que ele queria a boneca. A família da garotinha estava com outras crianças, e muito gentilmente deram uma maçã do amor para o Léo, que ele não recusou. Depois ofereceram algodão doce, que ele recusou meio bravo. Na hora da dança peguei-o no colo e levei para a quadra. Todas as crianças já estavam posicionadas, só esperando pelo Léo. Mas ele não quis saber, queria sair de qualquer jeito. Recusou até a pegar a varetinha com fitas. Todos tentaram de alguma forma fazer com que ele ficasse, mas ele saiu da quadra, correu para a barraca de churrasco e entrou na fila. Imaginei que devia estar com fome, ou queria um churrasco, pois ele adora, mas não era nada disso. Na frente dele, na fila, estava a família da garotinha com a boneca. Foi então que percebemos que ele queria a boneca.

Fomos atrás de uma brincadeira que desse a tal boneca, pois era uma prenda da festa junina, mas não havia mais em nenhuma barraca. Foi quando a garotinha e sua mãe apareceram e deram a boneca para o Léo. Ele brincou uns 20 minutos com a boneca e depois entregou para o vovô, que também estava na festa. Devolvi a boneca para a garotinha.

As professoras vieram me procurar e lamentaram o Léo não ter dançado, mas eu estava tão feliz com o processo de Inclusão, que, de todo coração, desta vez nem me importei por ele não ter dançado. O diálogo com aquela família da garotinha e todas as outras intenções de respeito e inclusão que encontramos nos deu um sentimento de tranquilidade e confiança.

Mas não paramos por aqui. Fomos ver a dança de um amiguinho do Léo que também é aluno de inclusão na escola municipal que fica logo em frente da EMEI. Assistimos o amiguinho dançar todo feliz a dança das fitas. E, logo após, veio uma dança do Boi mamão, e o Léo invadiu a quadra e foi dançar junto com as crianças. Era uma turma de ensino Fundamental, e carregavam um arco cheio de fitas, que balançavam. Imagino que ele reconheceu e foi para dentro dançar. O local da apresentação estava tão cheio que não conseguia ver a dança. Cheguei a perguntar para uma moça que estava na minha frente, “Tem uma criança pequena ai na dança?” Ela respondeu que sim, afastou o corpo e apontou. Pude ver o Léo no meio de pré-adolescentes, acompanhando a dança. Quando acabou e todos aplaudiram, ele pulava e batia palmas, todo animado.

Eu sei que tudo isso deveria ser normal dentro do processo de inclusão. Sonho e luto para que a Inclusão possa chegar a estágios tão naturais e felizes como estes. Dá trabalho, mas, por hoje, reconheço o empenho destas professoras e toda equipe, estagiária, AVE, todos desta escola que se desafiam junto com o Léo.

Essa é uma história que vale a pena sentar e escrever.

Agora, um pouquinho dos ensaios:









4 comentários:

  1. Amanda querida, compartilho do mesmo sentimento. Adoro seus textos! É confortante saber que não sou a única... que tem muitas outras mães fênix se refazendo das cinzas. Obrigada por cada palavra... beijos

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    1. Nos renovamos a cada sorriso, a cada choro, nosso ou deles. Não é fácil, mas ninguém disse que seria, né? Estamos por eles e para eles.
      beijos

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  2. Parabéns querida pelo lindo texto, parabéns pela luta e dedicação. Compartilho com você o mesmo sentimento.

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    1. nossa história não é? De lutas e fortes emoções!
      bjs

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