O diagnóstico precoce para os casos de autismo é fundamental.
Ainda no período de investigação muitos médicos e especialistas já recomendam a
intervenção de terapias, pois o quanto antes as estimulações começarem, melhor
para o desenvolvimento da criança. As terapias vão ajudar independente do
diagnóstico se concretizar ou não.
Quando o diagnóstico de autismo é dado, ficamos sem saber onde
procurar atendimento, e ao procurar encontramos um cenário aterrorizante, pois
há poucos lugares especializados, e mesmo nesses muitos são precários ou caros.
Descobrimos que existe uma lei que nos ampara, a leiBerenice Piana (LEI 12.764/12), que foi regulamentada em dezembro de 2014,
mas ainda não saiu do papel. Passamos a constatar que, além do problema do
nosso filho, iríamos ter que embarcar também numa luta para resolver alguns problemas
sociais referentes à inclusão e tratamento. A existência da lei é fundamental,
e temos que a propagar e exigir que nossos filhos tenham seus direitos
garantidos.
Contudo, a questão inicial é: qual tratamento funciona? O
que é ABA? Por que encontramos tão poucos profissionais atuando nesta área da
psicologia? E por que muitos profissionais ainda torcem o nariz para esse tipo
de abordagem? Que tipo de intervenções terapêuticas temos que exigir do governo
para nossos filhos autistas?
Vou narrar nossa trajetória até aqui sobre esses pontos.
Diante do despreparo do CAPS infantil para o tratamento
adequado do Leonardo enquanto criança dentro do espectro autista, fomos
procurar terapias com abordagem em ABA, pois foi a única que encontramos dados
científicos de eficácia, e vários países do mundo usam o ABA como tratamento de
autistas. Então, por que ficar gastando tempo e dinheiro com terapias que não
sei se darão certo?
O momento da escolha
de que caminho seguir é muito importante. Mesmo que sejam poucos os caminhos
disponíveis, qualquer escolha irá mudar o ritmo de vida familiar, pois serão introduzidas
diversas terapias, locais novos que irão frequentar e, obviamente, a rotina da
família sofrerá um impacto grande. Quem vai levar? Quem vai buscar? Quais dias
da semana? Encaixar os horários das terapias com os horários de trabalho, e o
impacto com relação ao trabalho, pois, infelizmente, nem todas as empresas
entendem que você vai ter que se ausentar para cuidar de seu filho deficiente. Algumas
empresas chegam ao ponto de dispensar o funcionário que tem um filho nessa
situação, causando mais um impacto na renda familiar. Outras causam um verdadeiro
stress referente às cobranças pelas horas de ausência no período de trabalho.
Tudo isso deve ser levado em conta na hora das escolhas.
Mas o mais importante neste momento é traçar objetivos bem
definidos junto com médicos, terapeutas, família e escola. E, independente de
qual tipo de abordagem for escolhida, saber que ter paciência é fundamental,
pois vai ser um caminho longo e muitas vezes demorado, e que você vai ter que
participar como mediadora deste processo, ou seja, saber que os resultados não
dependem somente da relação da criança com os terapeutas, mas também da atuação
dos pais e, acima de tudo, não se culpar pelas escolhas caso durante o caminho
tenha que mudar o percurso.
Durante meu curso de graduação, estudei um pouco das teorias
comportamentais para a educação, e sou daquelas pessoas que acreditam no ser
humano como fruto de seu desenvolvimento histórico social, que constrói sua
história. Portanto não me aproximei mais dos estudos comportamentais por achá-los
mecanicistas e desconsiderarem a potência de transformação consciente de si e
de suas escolhas. Afastei-me destas teorias por considera-las extremamente
condicionantes e pensadas como positivas apenas para quem quer “dominar e
controlar” as escolhas que interferem não só na subjetividade, como também nas
relações sociais.
Mal sabia eu que um dia estaria educando meu filho com base
nesta mesma teoria que no passado rechacei. Ao perceber que as abordagens
psicológicas comportamentais eram as que tinham tido os melhores resultados com
base científicas no tratamento de autistas, tive que me desfazer dos
preconceitos causados por esse “afastamento” das teorias e voltei a estudá-las.
Não só estudá-las, como aplicá-las em meu filho. E seu resultado foi transformador
em nossas vidas.
Se pensarmos que a linguagem foi e é um fator fundamental
para a humanização, para a transformação do homem-animal para homem-social,
dotado de sociabilidade e produtor de culturas, percebemos que é exatamente
isso o que falta no meu filho autista. Preciso, portanto, partir da premissa
que ele precisa mais do que mediadores (outros seres humanos) para superar suas
dificuldades. Nele há um quesito biológico que deve ser analisado. Ele precisa,
sim, de outros tipos de estímulos, que não se dão apenas na relação com outros
seres humanos. Ele precisa de reforçadores de troca para gerar interesse no que
lhe é ensinado, ele precisa de muitas repetições para aprender, e precisa de
mais um tanto de repetições para dar significado ao que aprendeu, pois há nele uma
imensa dificuldade em elaborar signos (que, para o restante da humanidade, é
praticamente inato).
Mas, o mundo está cheio de gente “esperta”, que não consegue
abrir mão de suas concepções entorno do que estudou, ou do que acha o que é
melhor para o filho dos outros. Descartam o tratamento ABA, como se o que
propõe fosse dar mais certo, como se estivéssemos condicionando o nossos filhos
a responder mecanicamente apenas quando lhe dão algo de seu interesse. Essas
mesmas pessoas críticas e “espertas” esquecem que elas mesmas trabalham em
troca de salário, ou mudam de emprego por um salário melhor, que matriculam
seus filhos em instituições que as ensinam a estudar em troca de notas, usam fantasias
como o Papai Noel e o Coelho da Páscoa para estimular o bom comportamento das
crianças, retiram brinquedos, celulares, computadores de seus filhos quando
estes não tem um comportamento que julgam adequado, etc. Eles podem
condicionar, pois suas crianças entendem o condicionamento na primeira fala, na
primeira situação, e assim não fica claro o quanto manipulam o comportamento. A
única diferença é que, no caso de crianças autistas, a repetição evidencia o
condicionamento de maneira mais explícita.
O ser humano deficiente expõe a verdade inconveniente que a
humanidade não é normal. Meu filho deficiente mostra que você pode vir a ter um
também, ou mesmo um neto. O deficiente escancara para a sociedade que ser
deficiente é parte da humanidade, e a sociedade por milênios negou ser deficiente.
Há poucos profissionais especializados em ABA, pois,
seguindo a lógica comportamental, trabalhar com deficientes ou fazer pesquisas
acadêmicas sobre temas como estes não é algo que a sociedade privilegiou como
status. Portanto, não há estímulos
(financeiros, status) que levem as pessoas para essas áreas. Muitas pesquisas científicas
foram conduzidas e realizadas por médicos e outros especialistas que tinham ou têm
filhos autistas.
Podemos observar então que, mesmo como sujeitos históricos
conscientes, caímos nas questões de estímulo e resposta. Mas, por conta de
algum ego acadêmico, muitos especialistas não querem se dar ao trabalho de
retomar essa abordagem Comportamental e adaptá-la para o cenário educacional e
terapêutico de autistas. Ficamos assim à mercê de abordagens psicanalíticas e
de tentativas alternativas, e sem eficácia comprovada, para nossos filhos. E,
mesmo nessas abordagens, são poucos os profissionais que se especializam em
autismo, e muitas vezes estes especialistas são bastante caros. Em muitas
cidades do Brasil são os pais que criam ONGs e buscam os recursos
psicoterapêuticos e psicopedagógicos apropriados.
Espero sinceramente não precisar de terapias comportamentais
para sempre. Espero que essa seja uma etapa na vida de meu filho. Espero no
futuro poder usar outras teorias psicológicas e educacionais, como, por exemplo,
as abordagens de Vigotsky e outras que possam contribuir para a formação do meu
filho como sujeito histórico social, consciente que é produtor de sua realidade
subjetiva, material e histórica, pois se isso acontecer o espectro do autismo
do Léo será leve, dando a ele a funcionalidade da vida social de um sujeito
adulto.
Hoje busco na terapia comportamental a independência do meu
filho. Que ele saiba que pode se comunicar e se expressar enquanto não aprende
a falar. Quero que ele aprenda a ir ao banheiro com autonomia completa, quero
que ele saiba se alimentar, se vestir, tomar banho, escovar os dentes, colocar
os sapatos. Coisas pequenas, mas que para nós, pais de autistas, é algo
gigantesco. Cada conquista desta vai ficar marcada na memória com dia e hora.
Todo pai quer que, acima de tudo, seu filho seja feliz. E
hoje eu sei que o Léo é uma criança feliz, principalmente porque agora ele
passa menos tempo frustrado. Ele está aprendendo a se comunicar de forma
alternativa. Sua ansiedade diminuiu, junto com suas frustrações. A felicidade
não é algo espontâneo e inato. Uma criança estressada, frustrada e ansiosa por
falta de compreensão do que acontece a sua volta, por falta de compreensão do
uso da linguagem, fica tanto tempo aprisionada em si que há pouco tempo e
espaço para a felicidade florescer.
Foi nesta prática da teoria comportamental aplicada que meu
filho voltou a dar risadas, aprendeu a pular, a brincar compartilhado, a nos
observar, nos imitar. Foi com este “condicionamento” de amor que ele voltou a
ser uma criança que expressa sua felicidade.
A nossa experiência com terapias baseadas em ABA difere das
criticas que dizem que é algo condicionante, mecanizado, memorizado e sem
consciência produzindo ações mecanizadas. Quem conhece e convive com o Léo sabe
que nem de longe seu progresso resulta em ações sem consciência e vazias de
significados ou sentidos. Ao contrário, ele está dando sentido nas suas ações,
tem se divertido com isso, tem reconhecido nossos signos de linguagem e dado
significados para eles. Algumas vezes nos surpreende como aprende rápido. O Léo
tem um comportamento amoroso, e podem ter certeza que esse amor não é
condicionado.
As atividades que realizamos em terapia e em casa são
repetitivas, são registradas, possuem etapas e hierarquias para a passagem de
uma atividade para outra, e premiações. Evitamos o erro para reduzir a
frustração e atitudes disrrupitivas. Às vezes parece que ele não vai aprender, e
somos nós que saímos frustrados. Mas é por isso que existem as repetições, pois
uma hora irá fazer sentido. E eu consigo distinguir no olhar dele quando ele
aprende, dando significado, e quando faz para só ganhar o estímulo.
A Terapia em ABA recomenda no mínimo 20 horas semanais em
terapias com especialistas e deve ser complementada em casa. Isso significa que
os pais, irmãos e outros familiares também terão que apreender sobre a
abordagem comportamental e seus procedimentos. É um engodo achar que as
terapias darão conta das necessidades. O envolvimento da família deve ser total.
Por isso que chamo essa maternidade de Fênix: tem dia que somos como cinzas de
tão cansadas, mas renascemos a cada avanço. Somos mães e pais especialistas,
somos militantes da causa autismo. Existem aqueles pais que só se importam com
o seu próprio filho autista. Mas quem me conhece sabe o que penso de qualquer
pessoa indiferente. Não sou assim, sempre tomei partido, e agora com meu filho
não iria ser diferente.
As vezes fico muito frustrada pois há muita coisa para
fazer, muitas atividades e nem sempre consigo por diversos motivos. O trabalho
da casa, cozinhar sem glúten e sem caseína, o trabalho que trago para casa (tento
não trazer, mas, como professora, isso é quase impossível). O Léo tem uma
jornada longa entre terapias de manhã e escola à tarde. Ele chega em casa e se
joga no sofá, cansadinho. Enfim, as cobranças são muitas, não damos conta de
tudo, mas tudo que fazemos é com amor, carinho e muita, muita alegria.
Cada um escolhe seu caminho. Mas nesta luta pelo Léo e por
outros autistas, penso que temos que lutar perante os Governos por clinicas com
abordagem comportamental que sejam públicas e de qualidade. Os outros
tratamentos, as outras abordagens, são sempre bem vindas. Mas sou cética, não
vou neste momento de tratamento precoce buscar caminhos alternativos para o
Leonardo. Infelizmente o problema maior neste momento social não é a escolha do
caminho terapêutico. É que temos poucas escolhas e poucos caminhos.
Assim que recebemos o diagnóstico precoce, nos lançamos numa
corrida contra o tempo, quanto mais adequado para o individuo autista for seu
tratamento, mais chances de ser um adulto funcional.
E é exatamente por isso que quero saber do que pode dar
certo.
Não tenho tempo a perder.
--
No próximo texto falarei sobre como aprendi a aplicar os
procedimentos com o Léo, nossas atividades, e sua evolução com o método TEEACH.
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