Já escrevi sobre a questão da elaboração do meu luto, sobre deixar
para trás aquele filho idealizado, aceitar a nova realidade e seguir em frente,
no texto Autismo não é saber jogar vídeo game. Mas lá não abordei uma
outra questão: parentes e amigos próximos também têm seu luto quando descobrem
que aquela criança querida, esperada desde o anuncio da gestação. Avós, tios,
irmãos e parentes de um modo geral, que acompanharam os ultrassons para ver o
sexo do bebê e se estava tudo bem, a escolha do nome, o chá de bebê, etc. Parentes
e amigos que também idealizam a criança, e cuja idealização vem também cheia de
amor. Amor que se cristaliza na criança assim que ela nasce.
Mas, ao perceber que a criança não responde a esse ideal cristalizado,
precisam encarar as fases do luto. É muito comum parentes e amigos se negarem a
enxergar as diferenças, perceberem e aceitarem que a criança não é o que
idealizaram.
Muitas vezes por uma vida inteira.
Conheci dois jovens sem diagnóstico. Sempre penso em como foi possível que ninguém de sua família tenha visto que são diferentes, e que precisam de ajuda, pois a falta de socialização, somada com as dificuldades na comunicação e na compreensão do mundo imaginário, faz com que os praticantes de bullying logo entrem em ação, causando sofrimentos nestes jovens.
Muitas vezes por uma vida inteira.
Conheci dois jovens sem diagnóstico. Sempre penso em como foi possível que ninguém de sua família tenha visto que são diferentes, e que precisam de ajuda, pois a falta de socialização, somada com as dificuldades na comunicação e na compreensão do mundo imaginário, faz com que os praticantes de bullying logo entrem em ação, causando sofrimentos nestes jovens.
Mas daí percebo que não é que a família não tenha visto ou
percebido que suas crianças são diferentes. Na verdade elas ainda não saíram da
fase da negação dos estágios do luto. Perderam aquela criança idealizada, mas se
recusam a aceitar, e negam o que para todos é óbvio.
Faço parte de um grupo fechado de mães de autistas numa rede
social. E um dos temas mais frequentes que mães reportam é a falta de aceitação
de parentes e amigos em relação às necessidades especiais de seus filhos.
Algumas trazem relatos muito tristes, contando o quanto as pessoas foram se
afastando. São histórias de rejeição, solidão e sofrimento.
Eu lia e pensava: “Isso não vai acontecer com a gente. Nossos
parentes e amigos são tão humanos”. E é exatamente isso, o ser humano que
sofre, cada a um a sua maneira, com seu luto.
A nossa postura, de aceitar e não ter vergonha de falar
sobre a condição do Léo, facilitou para a maioria dos nossos amigos, pois eles
viam as diferenças do Léo, e quando souberam o motivo foram acolhedores, e comemoram
junto com a gente as suas evoluções a cada encontro. Isso é muito legal.
Teve gente que se afastou, sim. Mas teve gente que se aproximou.
Família tem aquele laço consanguíneo. Pude observar as fases
do luto de alguns parentes que são bem próximos de mim. Em alguns momentos,
principalmente durante a fase da busca por diagnóstico, eu vi as lágrimas de
alguns familiares queridos caírem junto com as minhas. Em muitas ocasiões eles me
ajudaram a enxugar essas lágrimas, e com isso foram passando, junto comigo, pelas
fases do luto, em busca da aceitação.
Mas sofrimento é algo que não pode ser medido nem cobrado.
E, nas fases do luto, existe a fase da RAIVA. E aquilo que eu lia no grupo das
mães de autistas também caiu sobre mim, ou melhor, sobre nós.
O luto do outro, cheio de raiva, de palavras insanas que machucam e que adoecem nosso coração já tão cheio de feridas tentando cicatrizar para poder seguir em frente.
O luto do outro, cheio de raiva, de palavras insanas que machucam e que adoecem nosso coração já tão cheio de feridas tentando cicatrizar para poder seguir em frente.
Nós, mães de autistas, já temos muita coisa para pensar. Temos
que elaborar nosso luto e não esmorecer, o que já é muito trabalhoso. Não podemos
perder tempo com o luto dos outros.
Sei que é difícil, mas muitas vezes a solução é se afastar destas pessoas neste momento, na esperança de que o tempo os ajude a lidar com isso. Temos que nos focar nos nossos filhos. E dar tempo ao tempo, para ver se essa raiva do outro vai passar e, se passar, decidir se estamos prontas para perdoar.
Sei que é difícil, mas muitas vezes a solução é se afastar destas pessoas neste momento, na esperança de que o tempo os ajude a lidar com isso. Temos que nos focar nos nossos filhos. E dar tempo ao tempo, para ver se essa raiva do outro vai passar e, se passar, decidir se estamos prontas para perdoar.
Somos humanas, e dói demais quando pessoas que amamos nos
atacam com palavras cheias de raiva, mesmo que as palavras sejam ditas no calor
do momento, num reflexo de seu sofrimento. Cada uma de nós tem seu tempo para
resignificar tudo o que foi dito, e decidir se deve perdoar ou não. Cada uma de
nós tem sua história.
O fato é que nós, pais de autistas, temos que, além de lidar
com nosso luto, também temos que lidar com o desfecho do luto dos outros.
Tenho um amigo que também é pai de uma criança autista. Foi ele que me segurou quando passei por minha primeira crise familiar, onde ouvi palavras que nos machucaram muito.
Havíamos ambos sido julgados e condenados por sermos “culpados” pelo autismo de nossos filhos, ou qualquer coisa do gênero. Esse amigo me contou algumas de suas histórias e me aconselhou. Foi muito reconfortante ouvir as palavras de alguém que sabia exatamente o que eu estava sentindo. Mas o justo seria não termos que passar por isso.
Tenho um amigo que também é pai de uma criança autista. Foi ele que me segurou quando passei por minha primeira crise familiar, onde ouvi palavras que nos machucaram muito.
Havíamos ambos sido julgados e condenados por sermos “culpados” pelo autismo de nossos filhos, ou qualquer coisa do gênero. Esse amigo me contou algumas de suas histórias e me aconselhou. Foi muito reconfortante ouvir as palavras de alguém que sabia exatamente o que eu estava sentindo. Mas o justo seria não termos que passar por isso.
Eu faço terapias, e recomendo que todos os pais e familiares
responsáveis por crianças autistas também façam. Infelizmente, o mundo não está
aberto para nós, e isso é um fato. Temos muitos desafios para enfrentar com
nossos pequenos, e com o mundo lá fora. Nem sempre temos forças para tudo. Meu
terapeuta costuma me dizer: “Respira na impotência.” Ou seja, não podemos mudar
as pessoas. Mas tenho que nos proteger. Proteger meu filho, proteger meu esposo,
proteger a mim. Nós somos o elo do Léo, o pilar que o sustenta neste momento. E
precisamos ficar firmes.
Outro dia eu estava numa festa de aniversário, e uma criança
de 2 anos me pediu ajuda para tirar a sandália, pois ela queria entrar no pula-pula.
O Léo estava brincando no pula-pula, e eu estava por perto. A criança pediu
para eu segurar sua mão enquanto ela pulava, pois tinha medo. Realmente ela era
muito pequenininha e poderia se machucar, então eu a ajudei. Daí em diante essa
criança grudou em mim. Ficamos juntas por meia hora, brincando nós duas, e às
vezes eu conseguia fazer com que ela brincasse com o Léo. Foi quando percebi o
quanto é fácil lidar com uma criança neurotípica. Ela veio até mim. Ela quis
brincar comigo. Ela falava o que queria de mim. Ela olhava para mim.
Simples.
Brincar com o Léo não é difícil. Mas é você que tem que ir
até ele. Ele não vai falar o que quer, mas ele quer o que qualquer criança
quer: sua atenção. Quer brincar com você, quer que olhe para ele.
Simples.
Mas, para algumas pessoas, isso é muito difícil. Não estou
cobrando nada de ninguém. Mas me dói muito ver que tem gente que ainda está
preso em alguma fase do luto, que não encosta no Léo, não brinca com ele, não
sabe nada dele, não sabe a alegria que é viver com ele. Doí ainda mais quando
nos dizem, numa sinceridade arrebatadora, sobre a tristeza que causamos por ter
uma criança assim.
Estou escrevendo esse texto porque isso é de matar, para não
falar um palavrão. Não gosto de generalizar, mas esse é o tipo de situação que
todo pai de criança deficiente enfrenta, e isso nos machuca.
Nós somos lutadores, sim! Nós, pais de deficientes, somos guerreiros, sim! Mas não precisaríamos ser caso a maioria das outras pessoas soubesse conviver com a diferença, sem achar que pessoas fora do “normal” são inferiores. Sem achar que é um problema ter que aprender a viver com quem usa libras ou qualquer outra forma de comunicação alternativa.
Nós somos lutadores, sim! Nós, pais de deficientes, somos guerreiros, sim! Mas não precisaríamos ser caso a maioria das outras pessoas soubesse conviver com a diferença, sem achar que pessoas fora do “normal” são inferiores. Sem achar que é um problema ter que aprender a viver com quem usa libras ou qualquer outra forma de comunicação alternativa.
As pessoas se dispõem a prender uma língua estrangeira, mas são
incapazes de se dirigir a uma criança que se comunica de forma diferente para
falar com ela. Quem tem problemas aqui? É a criança? Ou pessoas que não enxergam
a alegria de outro ser humano lindo, justamente por ser diferente.
Ora, diferente todos nós somos. Mas só querem respeitar as
igualdades que nos pertencem.
Eu não quero que tenham dó ou piedade do nosso núcleo
familiar. Nem que se entristeçam por nós. Desejo sinceramente que cada um siga
seu caminho a fim de superar esse luto, pois já passou da hora para muito de nossos parentes e alguns amigos.
Caso contrário, nossa decisão é deixar de fora. Se não
agrega, cai fora. É uma decisão dolorosa, pois algumas são pessoas que amamos e
que queremos bem.
Mas dói muito mais ter que conviver e ficar ouvindo grosserias ou barganhas do tipo: “Nossa, mas vocês tem sorte que o autismo dele é leve.” Ou: “Quando ele falar, vocês vão ver como tudo vai mudar.” “Agora não adianta mais, teria que ter feito algo antes, por culpa de vocês ele ficará autista para sempre.” “Vou colocar o nome do Leonardo nas orações da minha igreja, Deus curou lepra, câncer e AIDs, vai curar seu filho”. “Toda vez que penso em vocês fico triste.” São exemplos de coisas que já ouvi num curto espaço de tempo, por pessoas diferentes.
Mas dói muito mais ter que conviver e ficar ouvindo grosserias ou barganhas do tipo: “Nossa, mas vocês tem sorte que o autismo dele é leve.” Ou: “Quando ele falar, vocês vão ver como tudo vai mudar.” “Agora não adianta mais, teria que ter feito algo antes, por culpa de vocês ele ficará autista para sempre.” “Vou colocar o nome do Leonardo nas orações da minha igreja, Deus curou lepra, câncer e AIDs, vai curar seu filho”. “Toda vez que penso em vocês fico triste.” São exemplos de coisas que já ouvi num curto espaço de tempo, por pessoas diferentes.
Sim, o Léo tem muita sorte. Por ter muitas pessoas que
convivem com ele, que sabem brincar, que sabem falar com ele, mesmo que ele
ainda não responda verbalmente. Pessoas que entendem que ele pode não vir a falar
nunca, e por isso procuram aprender a se comunicar com ele desde já. Tem gente
que não tem só amor. Tem respeito, tem afeto e, sobretudo, tem alegria em
vê-lo.
É nisso que temos que nos apegar. Nas pessoas que nos
agregam. Pois nossa maternidade e nossa paternidade serão uma militância por
nossos filhos. Temos que elaborar nosso luto, as demandas do luto dos outros, e
seguir em frente, de cabeça erguida e sem tristeza.
Não é todo dia que dá pra ser feliz, porque ser feliz é um estado de espírito. Então, vamos conscientizando, aprendendo e nos protegendo.
Não é todo dia que dá pra ser feliz, porque ser feliz é um estado de espírito. Então, vamos conscientizando, aprendendo e nos protegendo.
Assim, quem sabe, a maioria dos dias será feliz.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirO melhor de todos os textos seus até hoje. Esclarecedor e contundente como deve ser, quando falta bom senso nos outros e sobra sofrimento na gente.
ResponderExcluirGostei do Texto. Creio que escreveu com o coração.
ResponderExcluirParabéns pelo texto, reflete a alma do autor. Nos faz pensar como vivemos por tanto tempo com nossos lutos, o luto não deixa de ser importante, faz parte das fases, mas não pode ser infinito.
ResponderExcluirO luto tem que ser superado, nossos filhos merecem ser amados pelo que exatamente são. E, esse amor tem que respirar alegria!
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